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Reinaldo Azevedo

ASCO! Corregedor viu em palestra de Deltan venda de informação. E nada fez!

Reinaldo Azevedo

08/08/2019 06h03

Começou a chover dinheiro no Brasil, mas apenas em certos setores, não é? (Foto: Freepík)

E seguem as revelações estarrecedores sobre os prostitutos da coisa pública. As notícias são assombrosas. E, como se nota, os valentes não têm mais ânimo nem para negar o inegável. Leiam.

Por Flavio Ferreira, da Folha,
e Amanda Audi e Leandro Demori, do The Intercept Brasil

Em julho de 2017, o então corregedor-geral do Ministério Público Federal, Hindemburgo Chateaubriand Filho, criticou informalmente a conduta do procurador da República Deltan Dallagnol na divulgação de palestra, ressaltou a gravidade da situação, mas deixou de abrir apuração oficial, apontam diálogos no aplicativo Telegram obtidos pelo The Intercept Brasil e analisados em conjunto com a Folha.

O caso envolveu a divulgação feita por Deltan de uma palestra dele na qual prometia revelações inéditas sobre a Lava Jato e que teria cobrança de ingresso dos participantes.

Hindemburgo expôs a reprovação ao procurador, que fez alteração no teor da publicidade da palestra. Em seguida, ele comentou que sua intervenção no episódio resultava do apreço que tinha por Deltan e saía da linha de atuação regular de um corregedor-geral, o fiscal máximo da atividade dos procuradores.

"Só quero lhe dizer q liguei em consideração a vc é ao Januário [procurador Januário Paludo]. Como Corregedor, na verdade, não me competia fazer o q fiz", afirmou.

As mensagens são reproduzidas pela Folha com a grafia encontrada nos arquivos originais obtidos pelo Intercept, incluindo erros de português e abreviaturas.

Como a Folha e o Intercept revelaram em julho, Deltan chegou a cogitar a criação de uma empresa de palestras para lucrar com a fama alcançada na Lava Jato e projetou ganhos de R$ 400 mil com a atividade no ano passado.

ACERTO INFORMAL
Os diálogos entre o procurador e Hindemburgo apontam que eles também acertaram extraoficialmente em agosto de 2017 que Deltan não iria apresentar formalmente à Corregedoria a lista de empresas para as quais deu palestra remunerada, para evitar a repercussão negativa da eventual indicação dos contratantes.

Em outra conversa fora dos autos de um processo, Deltan perguntou a Hindemburgo se ele gostaria de ver, de forma antecipada, as informações que iria prestar ao próprio corregedor-geral em uma apuração, e abriu espaço para que a autoridade orientasse a resposta dele.

O episódio da promoção da palestra feita por Deltan teve início quando o procurador fez uma publicação em sua página pessoal no Facebook em 1º de julho de 2017.

O post convidava para um evento intitulado "Operação Lava Jato – Passado, presente e futuro – A Lava Jato na visão de quem está no olho do furacão", que seria realizada na Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná) na noite de 4 de julho daquele ano.

Na lista de palestrantes estavam Deltan e outros quatro procuradores da Lava Jato. O ingresso para o evento custava R$ 80 e a renda seria revertida para a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Curitiba, segundo a divulgação.

"REVELAÇÕES EXCLUSIVAS"
Porém o post de Deltan trazia a promessa da revelação de informações inéditas sobre a Lava Jato: "Venha conhecer pessoalmente os procuradores da Lava Jato em Curitiba e ficar por dentro do que está acontecendo na operação – em primeira mão!!".

Esse texto gerou polêmica no Ministério Público, e o procurador Vladimir Aras chegou a enviar a Deltan uma lista com críticas de outros colegas.

"Virou atração circense A Corregedoria devia suspender Os tentáculos da vaidade e do estrelismo podem agarrar os colegas sutilmente (ou nem tão sutilmente assim)", afirmou um dos procuradores.

"Se eu estivesse do outro lado do balcão faria a festa com esse "Xow do Deltan"!", escreveu outro crítico.

Após reproduzir os ataques ao colega, Aras então aconselhou a Deltan: "Sei que o evento é beneficente e vc tem o melhor propósito. Mas procure evitar a monetização da Lava Jato, ainda que indireta".

Alguns dos procuradores chegaram a contatar o corregedor-geral para reclamar. Na tarde do dia marcado para a palestra, Deltan foi avisado que Hindemburgo estava muito irritado com o teor da divulgação e foi aconselhado a ligar para o fiscal dos procuradores.

Após falar por telefone com Hindemburgo, Deltan escreveu ao corregedor-geral no Telegram: "Hindemburgo, falei aqui, o pessoal vai acatar pq vem de Vc, mas ng concordou. O exemplo que comentaram aqui é: é muito pior quando vamos falar sobre a Lava Jato de graça em qualquer faculdade privada. A faculdade cobra dos alunos e lucra um monte. Nesse caso vamos ao evento da APAE e o lucro vai para uma causa pública".

Apesar de dizer que a equipe da Lava Jato discordava da posição do corregedor, Deltan disse que ela seria obedecida. "De todo modo, vinda de Vc, seguiremos a recomendação de cautela", afirmou.

O coordenador da Lava Jato então fez duas alterações na publicação. Em primeiro lugar, apagou o trecho "em primeira mão" e substituiu-o por "em contato direto, a partir, é claro, de informações públicas!!".

Deltan também adicionou um texto para dizer que a palestra seria genérica sobre casos de corrupção e não iria abordar só a Lava Jato.

"Falaremos sobre corrupção em geral, casos pretéritos que resultaram em impunidade, reformas necessárias e, inclusive, sobre a Lava Jato, que entra nesse contexto", acrescentou ao post.

PALESTRA COM AGRADECIMENTO À MULHER DE MORO
A palestra foi realizada à noite e na abertura do evento Deltan fez um agradecimento a Rosangela Wolff Moro, mulher de Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato em Curitiba.

Rosangela é procuradora jurídica da Federação Nacional das Apaes. O próprio Moro, hoje ministro do governo Jair Bolsonaro, já havia realizado duas palestras em prol da Apae naquele mesmo ano.

Na madrugada seguinte à palestra, Deltan escreveu a Hindemburgo para avisar que as orientações do corregedor-geral tinham sido seguidas.

"A entrevista foi transmitida ao vivo no facebook, de modo gratuito. Creio que isso também afasta qualquer preocupação em relação à repasse oneroso ou exclusivo de informações. Cuidamos para não citar nomes de investigados também. Todos que quiserem podem ter tido ou ter acesso gratuitamente. Obrigado mais uma vez pela preocupação externada e pelo cuidado", afirmou.

Em resposta, Hindemburgo voltou a criticar a conduta de Deltan, dizendo que o tema havia sido abordado em uma reunião da qual tinha participado.

"Ao contrário de vcs [integrantes da Lava Jato], todos q se encontravam na reunião discordaram da atitude. É éramos vários. Além deles, recebi de outras pessoas tb em tom de severa crítica. Lembre-se q vcs falam na condição de interessados. O q eu lhe disse é q do jeito q estava apresentado o post, o anúncio era o da venda de informações em primeira mão sobre a lava jato. Era o mesmo q chamar uma entrevista coletiva e cobrar entrada, pouco importa a destinação do dinheiro. Isso para mim seria bastante grave, independentemente do q vcs pensam", disse o corregedor-geral.

"Qd vc me explicou q era diferente do q o post literalmente dizia, apenas pedi q esclarecesse melhor. Confesso q li a modificação e, embora pense haver sido descaracterizada qualquer possível irregularidade, não acho adequado o tom q vcs adotam, mas isso é uma opinião pessoal minha", comentou.

Por fim, o corregedor-geral arrematou: "PS: a faculdade cobra não pelo evento específico, mas pelo curso ministrado. Se cobrasse com a anuência de vcs pelo evento específico no qual fossem informar em primeira mão sobre a lava jato, seria totalmente irregular".

Após as críticas, Deltan reconheceu ter errado na elaboração do convite para o evento e fez agradecimentos ao corregedor-geral.

"Agradeço muitíssimo a consideração que teve em nos alertar sobre os possíveis aspectos negativos. Creio que o modo como redigi o post dava abertura para interpretações negativas mesmo, e suas observações me ajudaram a ver isso e remediar algo que poderia se tornar um problema".

Outra conversa entre Deltan e Hindemburgo fora dos autos de um processo ocorreu em 4 de agosto de 2017, quando Deltan tratou do tema de suas palestras remuneradas.

DAR UM JEITINHO
"Caro Hindemburgo, chegou meu relatório de diárias de 2016 e 2017. Chequei e ele mostra que realmente NÃO houve diárias/passagens pelo MPF para palestras remuneradas. A checagem é simples porque o contrato da palestra indica a data e então é só bater com as datas/viagens cobertas por diárias", informou Deltan.

Em seguida, o procurador disse que o fornecimento oficial dos nomes de suas contratantes de palestras à Corregedoria poderia levar a uma repercussão negativa.

"Como comentei pessoalmente, prestar essas informações geraria mais exposição (novos questionamentos porque permitiria identificar as entidades para quem dei etc), mas por um dever de lealdade a Você como corregedor e como quem confiou em mim, sinto-me impelido a deixar tudo à sua disposição para sua consulta quando quiser. Abraços e mais uma vez muito obrigado pelo cuidado conosco", escreveu.
(…)
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.