Deltan tricotou com Barroso para fazê-lo relator do petrolão. E a "laranja"
Novos diálogos publicados pelo site The Intercept Brasil evidenciam que a Lava Jato, sob o comando de Deltan Dallagnol, tentou interferir na definição do relator do petrolão no Supremo, depois da morte do ministro Teori Zavascki, em associação oculta com ditos movimentos sociais. Dallagnol, ora vejam, convida até uma colega sua, a também procuradora Thaméa Danelon, para ser a sua "laranja" numa determinada operação.
Mais ainda: as conversas revelam também que Deltan manteve conversações com Roberto Barroso, ministro do Supremo, para que fosse este a assumir a relatoria do petrolão no Supremo. Era a escolha dos sonhos de Dallagnol. A gente já sabe que os dois se dão muito bem, como diria Faustão, "no pessoal e no profissional". Não só há um alinhamento de visões de mundo como já foram convivas num coquetel privado, oferecido pelo ministro em sua casa.
Realmente é do balacobaco que um procurador de primeira instância fique tricotando com um ministro do Supremo sobre a oportunidade de este assumir a relatoria da Lava Jato. E, segundo indicam as conversas, Barroso parece que se sentia alijado das decisões. Mas, como se viu depois, o que o ministro não consegue fazer no tribunal e nos autos, sai fazendo mundo afora em palestras, não é? Barroso não parece ter muito apreço pelo tribunal que integra.
A íntegra da reportagem está aqui. Leiam trecho.
*
"O procurador Deltan Dallagnol usou dois grupos políticos surgidos após a operação Lava Jato como porta-vozes de causas políticas pessoais dele e da operação, revelam mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram e que fazem parte do arquivo da Vaza Jato. Nelas, Dallagnol pauta atos públicos, publicações em redes sociais e manifestações dos movimentos de forma oculta, tomando cuidados para não ser vinculado publicamente a eles.
Os chats mostram que Dallagnol começou a se movimentar para influenciar a escolha do novo relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal apenas um dia após a morte do ministro Teori Zavascki, antigo responsável pelos processos da operação no STF.
Um dos grupos, o Vem Pra Rua, é notoriamente alinhado a partidos e políticos de direita. Dono de uma página de Facebook com mais de 2 milhões de seguidores, foi um dos principais organizadores de marchas pelo impeachment de Dilma Rousseff. A sua principal figura é Rogerio Chequer, que aproveitou a fama para lançar-se candidato a governador de São Paulo pelo Novo e, em seguida, tornar-se cabo eleitoral de Jair Bolsonaro.
Próxima a Dallagnol, a procuradora Thaméa Danelon, ex-integrante do braço paulista da Lava Jato – que chegou a coordenar por menos de dois meses no fim de 2018, quando repentinamente pediu para deixar o grupo –, em várias ocasiões funcionou como ponte com o Vem pra Rua, revelam as mensagens recebidas pelo Intercept de uma fonte anônima.
O outro grupo é o Instituto Mude — Chega de Corrupção, criado inicialmente para coletar assinaturas a favor das dez medidas contra a corrupção, um pacote de mudanças legislativas que se tornou uma obsessão pessoal de Dallagnol. Embora o Mude não informe isso em seu site, o coordenador da Lava Jato no Paraná atuou como um diretor informal do movimento, que chegou a organizar encontros numa igreja frequentada pelo procurador – e em que ele é pregador eventual.
Mas, passada a derrota na votação das dez medidas na Câmara, Dallagnol passou a usar o Mude — e também o Vem Pra Rua — para outras tarefas – entre elas influenciar a escolha do relator da Lava Jato no Supremo após a morte de Zavascki.
Atuando nos bastidores dos grupos e insuflando-os a pressionar o STF, Dallagnol estimulou a rejeição dos nomes de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e do atual presidente da Corte, Dias Toffoli, para a relatoria das ações da operação. Os diálogos mostram ainda que o procurador articulou ações para constranger ou pressionar ministros nos julgamentos que discutiram a prisão em segunda instância.
Em 2017, Dallagnol encomendou aos movimentos uma campanha para forçar Michel Temer a indicar o primeiro nome da lista tríplice encaminhada pela Associação Nacional dos Procuradores da República, a ANPR, ao cargo de procurador-geral da República. O escolhido substituiria Rodrigo Janot, que comandou o órgão durante o surgimento e a ascensão da Lava Jato.
UM DOS PRIMEIROS EPISÓDIOS revelados pelas mensagens ocorreu em janeiro de 2017, quando Teori Zavascki morreu num acidente aéreo. O ministro do STF deixou aberta não apenas uma cadeira no Supremo: também ficou vago o posto de relator dos processos da Lava Jato na corte – o responsável pelos casos que envolviam políticos com foro privilegiado. A lacuna criada pela morte repentina de Zavascki só poderia ser preenchida por um integrante da 2ª turma, e nenhum dos remanescentes — Toffoli, Mendes, Lewandowski e Celso de Mello — tinha a simpatia da força-tarefa. Dallagnol deixou isso explícito ao relatar ao líder do Mude, Fabio Alex Oliveira, uma conversa que tivera com um integrante de outro movimento político.
"De início, agradeci o apio do movimento etc. 1. Falei que não posso posicionar a FT publicamente, mesmo em off, quanto a Ministros que seriam bons, pq podemos queimar em vez de ajudar", contou Dallagnol. "Falei os 4 que seriam ruins, "que Toff, Lewa, Gilm e Marco Aur", escreveu para Oliveira no dia seguinte à morte de Zavascki.
Dias depois, em 24 de janeiro, o Mude pediu ao procurador uma "orientação sobre quem seria ideal pra assumir a posição do Teori". A co-fundadora Patricia Fehrmann explicou que "tem muita gente perguntando o q fazer. O VPR é um desses", referindo-se ao Vem Pra Rua. O procurador declinou. "Não podemos nos posicionar. Queimamos a pessoa rsrsrs".
Mas, em 31 de janeiro, Dallagnol manifestou sua preocupação com os colegas da força-tarefa do Paraná no grupo Filhos do Januário 1. Ele sugeriu que dissessem a jornalistas, em off, que temiam "que Toff, Gilm ou Lew assumam" e que delegassem aos movimentos sociais a tarefa de pressionar o STF a não definir a questão por sorteio, o que seria uma "roleta russa".
Outros procuradores concordaram que não valeria a pena a força-tarefa se manifestar, mas não se opuseram a orientar grupos de pressão alinhados. "se houver um movimento social, sem vinculação conosco, contra o sorteio, aí pode ter algum resultado…", avaliou o procurador Paulo Roberto Galvão.
BARROSO: O QUE NÃO TEM O RABO PRESO
No dia seguinte, em 1º de fevereiro, o ministro Edson Fachin, de surpresa, pediu para migrar para a 2ª turma. Mas a Lava Jato preferia que Luís Roberto Barroso tivesse feito isso. Numa conversa privada com uma ex-integrante da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República, Dallagnol indica que chegou a fazer o pedido a ele:
1 de fevereiro de 2017 – Chat privado
Anna Carolina Resende – 12:11:18 – Deltan, fale com Barroso
Resende – 12:11:37 – insista para ele ir pra 2 Turma
Deltan Dallagnol – 12:18:07 – Há infos novas? E Fachin?
Dallagnol – 12:18:11 – Ele seria ótimo
Resende – 13:54:21 – Vai ser definido hj
Resende – 13:54:33 – Fachin não eh ruim mas não eh bom como Barroso
Resende – 13:54:44 – Mas nunca se sabe quem será sorteado
Resende – 13:56:40 – Barroso tinha q entrar nessa briga. Ele não tem rabo preso. Eh uma oportunidade dele mostrar o trabalho dele. Os outros ministros devem ter ciúmes dele, pq sabem que ele brilharia na LJ. Ele tem que ser forte e corajoso. Ele pode pedir p ir p 2 turma e ninguém pode impedi-lo. Vão achar ruim mas paciência, ele teria feito a parte dele
Dallagnol – 14:11:37 – Ele ficou alijado de todo processo. Ninguém consultou ele em nenhum momento. Há poréns na visão dele em ir, mas insisti com um pedido final. É possível, mas improvável.
Dallagnol – 14:30:16 – Mas sua mensagem foi ótima, Caroll
Dallagnol – 14:30:24 – Por favor não comente isso com ninguém
Dallagnol – 14:30:25 – Please
Dallagnol – 14:30:29 – Ele pediu reserva
Resende – 14:30:31 – clarooo, nem se preocupe
Resende – 14:30:45 – só lhe pedi para falar novamente com ele porque isso está sendo decidido hoje
Dallagnol – 14:30:52 – Foi o tom do meu último peido [quis escrever "pedido"
Resende – 14:31:18 – vamos rezar para Deus fazer o melhor
Resende – 14:32:22 – mas nosso mentalização aqui é toda em Barroso.
(…)