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Reinaldo Azevedo

Falas de procuradores sobre morte de parentes de Lula é psicopatia coletiva

Reinaldo Azevedo

27/08/2019 17h08

Os diálogos dos procuradores, revelados por The Intercept Brasil, em parceria com o UOL, sobre a morte de familiares do ex-presidente Lula revelam uma doença nova: a psicopatia coletiva. Talvez nem tão nova assim. Já tivemos momentos na história em que o poder acabou nas mãos de pessoas incapazes de qualquer empatia; de se solidarizar minimamente com a dor do outro; de se colocar por alguns instantes na pele de quem sofre para tentar entender as suas razões; de se ver, num lapso de tempo ao menos, no lugar da vítima; de entender que os mesmos relevos que nos definem como humanos estão presentes no adversário ou inimigo. Até as guerras buscaram, em meio ao horror, definir um conjunto de valores éticos no trato com os inimigos. É o que fazem as Convenções de Genebra e seus protocolos adicionais.

Não com a força-tarefa de Curitiba. Não com a Lava Jato.

No dia 3 de fevereiro de 2017, morre Marisa Letícia, mulher de Lula. No dia 29 de janeiro de 2019, um de seus irmãos, Genival Inácio da Silva, conhecido por Vavá. No dia 1º.de março, pouco tempo depois, foi a vez de Arthur Araújo Lula da Silva, seu neto, de apenas sete anos. Três perdas pessoais imensas no prazo de pouco mais de dois anos.

E como se comportou a maioria dos procuradores que se manifestaram a respeito em conversas com colegas? Deboche, desrespeito, fúria punitivista, ironia grosseira.

No dia 24 de janeiro, Deltan escreve no grupo "Filhos de Januário 1": "Um amigo de um amigo de uma prima disse que Marisa chegou ao atendimento sem resposta, como vegetal".

O procurador Januário Paludo não hesitou: "Estão eliminando as testemunhas…" Laura Tessler, aquela que Sergio Moro julgou sem o devido preparo profissional para enfrentar audiências, evidencia que não era por excesso de humanismo que exibia baixo desempenho aos olhos do então juiz. Ela emenda: "Quem for fazer a próxima audiência do Lula, é bom que vá com uma dose extra de paciência para a sessão de vitimização".

Carlos Fernando, o mais experiente do grupo, recomenda o silêncio tático: "Vamos ficar em silêncio sobre o fato e esperar para ver como eles vão se comportar. Reação somente se passarem dos limites. Ninguém ganha falando contra quem morre ou contra a família".

No dia 3 de fevereiro de 2017, Júlio Noronha publica às 19:35:5:05 o link de uma reportagem informando a morte de Marisa. Mais de sete minutos depois, às 19:42:47, Jesusa Viecili, depois de alguns minutos de reflexão, mandou ver: "Quer que eu fique para o enterro?" E acrescentou à sua mensagem um emoji que simboliza o sorriso irônico.

Laura Tessler, aquela que foi tirada do caso Lula depois ter sua ineficiência criticada por Moro, é a mais eficiente no achincalhe. Ao comentar uma fala de Lula que associou a morte da mulher ao que ele considerava ações injustas da Lava Jato, comentou: "Ridículo. Uma carne mais salgada já seria suficiente para subir a pressão. Ou a descoberta de um dos milhares de humilhantes pulos de cerca de Lula". Achando pouco, emendou: "Só falta dizer que a Lava Jato implantou 10 anos atrás um aneurisma da cabeça da mulher. Milhares de pessoas morrem de AVC no mundo. Isso faz parte do mundo real e pronto".

Paludo, que já havia dito que a morte de Marisa poderia ser "eliminação de testemunha", chega a pôr em duvida a existência do aneurisma: "A propósito, sempre tive uma pulga atrás da orelha com esse aneurisma. Não me cheirou bem. É a segunda morte em sequência".

Sim, há aí a clara sugestão de que a morte de Marisa Letícia poderia ser queima de arquivo, o que é de uma indignidade espantosa.

Ainda voltarei ao tema porque há as coisas estupefacientes ditas sobre as respectivas mortes de um irmão e de um neto de Lula. Mas é muito fácil constatar: o que se vê acima é a linguagem do ódio.

EXPLICA-SE
Agora está explicado. No GloboNews Painel, Carlos Fernando finalmente confessou que o candidato da Lava Jato era mesmo Jair Bolsonaro. E o fez nestes termos:
"Infelizmente, no Brasil, nós vivemos um maniqueísmo, né? Então nós chegamos… Inclusive, no sistema de dois turnos, faz com que as coisas aconteçam dessa forma. É evidente que, dentro da Lava Jato, dentro desses órgãos públicos, de centenas de pessoas, existem lava-jatistas que são a favor do Bolsonaro. Muito difícil seria ser a favor de um candidato que vinha de um partido que tinha o objetivo claro de destruir a Lava Jato. Então nós vivemos este dilema: entre a cruz e a caldeirinha; entre o diabo e o coisa ruim, como diria o velho Brizola. Nós precisamos parar com isso. Nós realmente temos que ter opções. Infelizmente, um lado escolheu o outro. E, naturalmente, na Lava Jato, muitos entenderam que o mal menor era Bolsonaro. Eu creio que essa era uma decisão até óbvia, pelas circunstâncias que Fernando Haddad representava justamente tudo aquilo que nós estávamos tentando evitar, que era o fim da operação. Agora, infelizmente, o Bolsonaro está conseguindo fazer"

Convenham: tanto ódio haveria de dar em algum lugar.

E deu.

Correção: a data correta do falecimento do neto de Lula, Arthur, é 1º. de março de 2019, e não 02 de abril, como informamos anteriormente.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.