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Reinaldo Azevedo

ENTENDA A QUESTÃO: Decisão do STF, 3 processos de Lula e suas consequências

Reinaldo Azevedo

28/08/2019 21h41

Lula: Até quando vão usar o ex-presidente Lula como pretexto e escudo para destruir o devido processo legal? (Foto Cristiano Mattos/ Futura Press)

Ah, lá está o ex-presidente Lula servindo de estandarte ou escudo para a Lava Jato defender suas ilegalidades e suas heterodoxias.

A força-tarefa, com o apoio de setores consideráveis da imprensa profissional, o que é estupefaciente depois de tudo o que se sabe sobre a moralidade e a ética de parte da turma, continua a fazer barulho contra a correta decisão da Segunda Turma do Supremo, que houve por bem lembrar, no caso de Aldemir Bendini, que a Constituição consagra no Inciso LV do Artigo 5º o direito à ampla defesa e ao contraditório. Mas a Lava Jato continua a berrar por aí: "Todas as condenações serão anuladas, o que será bom para os corruptos".

Além de ser uma mentira, trata-se de uma pilantragem intelectual, que se nega a entrar no mérito da questão. Bem, se outras condenações se deram segundo o mesmo procedimento, que se anulem! Qual procedimento? O réu delator serviu, na prática, de auxiliar da acusação do réu não-delator, que ficou impedido de se defender amplamente porque obrigado a entregar as alegações finais ao mesmo tempo em que o faz aquele que ajuda a acusá-lo. Anulação, ademais, não é absolvição. Que se cumpra o devido processo legal. E isso vale para todo mundo. E, uma vez respeitadas as regras, que se condenem ou absolvam os réus. Qual o segredo?

O CASO DO TERRENO
Edson Fachin, relator do petrolão no STF, decidiu, de moto próprio, que o processo em que Lula é acusado de ter recebido vantagem indevida da Odebrecht na forma de um terreno que abrigaria o instituto que leva seu nome e de um apartamento contíguo ao seu em São Bernardo, que a família ocupava, volte para a fase das alegações. O caso tramitou na 13ª Vara Federal de Curitiba e ainda não tinha sentença. Só para lembrar: o instituto nunca foi erguido no tal terreno; quanto ao apartamento, há recibos considerados fidedignos pela própria Justiça indicando pagamento de aluguel. Lula pagaria aluguel a alguém que seria seu laranja?

O ministro determinou ainda que a defesa de Lula tenha acesso a todo o material apresentado pelos delatores da Odebrecht, como, diga-se, se faz em todas as democracias do mundo, não? O acusado tem o direito de saber o que alegam contra ele. Para que possa se defender. Se aquilo que se pretende uma prova foi apresentado por quem também é réu, isso se deve à natureza da Lei 12.850 — uma lei ruim, cheia de falhas, que Dilma sancionou em agosto de 2013, desesperada para se livrar da pressão das ruas. Ela permite que réu delator se comporte como auxiliar da acusação.

Sim, havia um habeas corpus impetrado pela defesa de Lula que estava lá, pendente, com Fachin. Nem pedia a anulação do processo; cobrava, na verdade, acesso às alegações dos delatores. E é claro que ele iria negar, não é mesmo? Ora, não é uma graça? As alegações finais da defesa haviam sido feitas sem saber com exatidão o que diziam os acusadores só porque, afinal, também eram réus… É uma aberração.

O CASO DO TRÍPLEX
E, sim, conforme o esperado e o óbvio, a defesa do ex-presidente Lula entrou com habeas corpus no Supremo pedindo a anulação das respectivas condenações do petista no caso do tríplex de Guarujá e do sítio de Atibaia. E caberá ao tribunal verificar se a situação é a mesma.

O processo do tríplex, por exemplo, entrará para a história como um dos mais viciados de que se tem notícia. Sergio Moro nem deveria ter sido o juiz, uma vez que ele próprio admitiu que o imóvel, ainda que benefício indevido fosse (segundo ele), não decorria de propina originária de contratos da OAS com a Petrobras. Nesse caso, não há delação propriamente.

Moro recorreu a um truque: Léo Pinheiro, que deu o depoimento afirmando que o tríplex pertencia ao ex-presidente, falou na condição de testemunha. Ele só teve o benefício da delação depois, o que chegou a preocupar Deltan Dallagnol, segundo revelações do The Intercept Brasil. Achou que ficaria parecendo um prêmio por ter incriminado Lula… É mesmo? Sagaz esse rapaz! Até hoje, a delação não foi homologada.

O CASO DO SÍTIO
Já o processo do sítio de Atibaia, bem, esse se encaixa, sim, na interpretação correta que deu o Supremo ao caso Bendine. Está assentado em delações, e a rotina seguida foi a mesma: réus acusados e réu acusador entregaram suas alegações ao mesmo tempo.

O caso de Atibaia é aquele em que a juíza Gabriela Hardt admitiu ter copiado trechos da sentença de Moro sobre o tríplex. Cópia tão convicta que ela se esqueceu até de trocar a palavra "apartamento" por "sítio". Ela também alega que duas testemunhas incriminavam Lula: Léo Pinheiro e José Adelmário. Eles são a mesma pessoa. Isso é que é ter domínio do processo, né? Merecia anulação por indigência técnica.

Eu não reconheço a existência do Direito Penal Para Lula — o DPPL. Ou será que há gente tentada a resgatar dos escombros o devido processo legal desde que não beneficie o ex-presidente?

O caso do tríplex não se encaixa no que chamo "precedente Bendine". É muito pior porque se trata de condenação sem prova. Já o do sítio de Atibaia segue o mesmo princípio — ou melhor: a mesma falta de princípio.

Cumpra-se o que determina o Inciso LV do Artigo 5º da Constituição:
"Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"

Com Lula ou sem Lula.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.