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Reinaldo Azevedo

BOLSONARO 2022: Doria e a esquerda, Huck e a teta, Macron e a esmola. Ihuu!

Reinaldo Azevedo

30/08/2019 07h15

Bolsonaro já faz mira em possíveis adversários de 2022. Na foto, ele testa submetralhadora durante visita a Israel em abril deste ano (Reprodução)

Jair Bolsonaro aproveitou a sua "live" desta quinta para rasgar o verbo e entrar no "modo campanha eleitoral", especialmente animado com o crescimento de 0,4% do PIB no segundo trimestre na comparação com o primeiro — que tinha sido notavelmente ruim, com encolhimento de 0,2%. Em 12 meses, o crescimento é de miserável 1%. Mas o "Mito" já começou a bater bumbo, indiferente ao arrefecimento do crescimento mundial, com risco nada desprezível de uma recessão global, e da crise na Argentina, principal destino das manufaturas brasileiras.

E daí? Economia é com Paulo Guedes, com o Congresso, com Deus talvez. Ele se ocupa de outros assuntos. Deve estar convencido de que Olavo de Carvalho está certo e que ele, sei lá, "lacrou", como se diz hoje em dia, no confronto com o presidente francês, Emmanuel Macron. Não obstante, a Amazônia ainda é uma das pautas principais da imprensa global, com destaque, e nem poderia ser diferente, para o Brasil.

O risco de sanções ao país é real. A VF Corporation, que detém as marcas Kipling, Vans, Timberland e The Nort Face, anunciou, agora é oficial, que não vai mais comprar couro de curtumes brasileiros até não estar segura de que a matéria-prima não está ligada a danos ambientais. Em si, não é um grande prejuízo. O risco é ser apenas a primeira da fila.

Para demonstrar que não depende de aprovação do Senado para ser um embaixador de fato, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) vai nesta sexta, em companhia de Ernesto Araújo, chanceler, para os EUA. O presidente explicou no Twitter o sentido da viagem:
"Nunca Brasil e EUA estiveram tão alinhados. A coordenação com o Presidente americano foi essencial para a defesa da soberania brasileira na Amazônia, por ocasião do encontro do G-7, o que demonstra nossa relação cada vez mais sólida de amizade e respeito".

Por tudo o que se sabe e se noticiou, mais a resistência de Angela Merkel pesou na amenização das críticas ao Brasil na reunião do G7 — a Amazônia ficou fora do documento final — do que a resistência de Trump. E daí? O governo Bolsonaro vive com o presidente norte-americano a "Síndrome de Primeiro Amigo", dizendo, em outras palavras, à sua base eleitoral: "Enquanto contarmos com o apoio de Trump, nada de mal pode nos acontecer".

À vontade, certo de que ganhou a batalha, o presidente tratou com desdém nacionalista, em sua "live", a ajuda oferecida pela União Europeia:
"Tivemos um encontro na terça-feira com os governadores da região amazônica. E ali só um falou em dinheiro, aquela esmola oferecida pelo Macron. O Brasil vale muito mais do que US$ 20 milhões".

Ninguém queria comprar o Brasil. Ocorre que parte do desastre amazônico decorre também da penúria orçamentária. O Exército brasileiro, imaginem, cortou o expediente às segundas-feiras por falta de recursos. Bolsonaro rejeitou o que chamou de "esmola" sentado ao lado de Augusto Heleno, um general da reserva, que é chefe do Gabinete da Segurança Institucional.

Terá o militar se lembrado da situação que vive a Força de que é oriundo ao ver o presidente a desdenhar de uma ajuda internacional necessária? Convenham: é pouco provável que um país tenha condições objetivas de preservar as suas matas quando enfrenta dificuldades para manter seus soldados.

E daí? Bolsonaro já está cuidando dos embates de 2022. Aproveitou a oportunidade para atacar, de maneira grosseira, o governador de São Paulo, João Doria, e o apresentar Luciano Huck, vistos como possíveis postulantes à Presidência no próximo pleito, com trânsito em faixas ideológicas que se alinharam ao agora presidente no ano passado.

Afirmou sobre o Huck:
"Olha, a caixa preta do BNDES apareceu. Já apareceu aquela galerinha da compra de aviões com [juros de] 3,5% ao ano. Que teta, hein? O que é isso, Luciano Huck? Eu sou o último capítulo do caos?".

Ele citou, assim, uma expressão empregada por Huck para se referir à sua eleição.

Sobre o governador de São Paulo, que vestiu a camiseta "Bolsodoria" no pleito passado, afirmou:
"João Doria comprou também. Explica isso aí. Só peixe. Amigão do Lula, da Dilma. Eu vejo o Doria falando, de vez em quando, 'minha bandeira jamais será vermelha'. É brincadeira! Quando estava mamando lá, a bandeira era vermelha, com um foiçasso e um martelo sem problema nenhum, né?"

Pode-se questionar se o BNDES deveria ou não ter criado um programa para incentivar a venda de aviões da Embraer, mas, como reconheceu o próprio Bolsonaro, não há ilegalidade nenhuma no negócio. Inferir que a operação implique algum alinhamento dos compradores com o PT é uma asneira. Comprava aviões com a linha de crédito aberta quem tivesse condições de fazê-lo. Pertinente ou não, não havia filtro ideológico.

Para Bolsonaro, os fatos são irrelevantes: na economia, na Amazônia, no cenário internacional, no BNDES…  A sua vida é um eterno palanque. Sim, é verdade, tanto Huck como Doria fazem política — e é razoável inferir que o governador, por exemplo, articule ações de quem está de olho no Planalto. Chega, inclusive, a cometer erros crassos nesse esforço, como espichar os olhos para Sergio Moro.

Mas há uma diferença nada ligeira entre usar atos de gestão, como faz Doria, ou de militância política, como faz Huck, para construir uma candidatura e optar, como faz Bolsonaro, pela pura e simples desqualificação de potenciais adversários no momento em que, mais do que nunca, é preciso falar a linguagem da temperança.

A mais recente pesquisa CNT/MDA indica ser crescente a rejeição dos brasileiros a esse estilo. Mas Bolsonaro fez uma escolha: manter mobilizado seu exército de fanáticos, em número decrescente, mas sempre aguerrido, e usar o cargo para alvejar aqueles que vê como potenciais adversários na seara não-esquerdista.

Seu objetivo é restar, de novo, como alternativa única para enfrentar as esquerdas. Talvez não perceba que também elas contam com isso. Afinal, em 2022, será possível confrontar o discurso bolsonarista com os fatos. E dá para saber, desde já, que o resultado não será bom para o mandatário.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.