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Reinaldo Azevedo

Dois PMs morrem em menos de 24 horas. E as evidências da tragédia Witzel

Reinaldo Azevedo

23/09/2019 07h15

Witzel, que comanda a política de segurança pública que também mata policiais, como Felipe Brasileiro Pinheiro (alto à dir.) e Leandro Oliveira da Silva (sendo removido por colegas)

Dois policiais militares morreram em menos de 24 horas no Rio. E ninguém dá bola para isso? Nesse caso, ninguém protesta? Como não? Isso também evidencia a desastrada política de segurança pública do Estado. Só neste ano, já são 45 as vítimas fatais entre policiais. É brutal? É, sim. Ocorre que os mortos pelas forças policiais atingem um número assombroso: nada menos de 1.075 pessoas até julho. Nesse mês, foram 194 — mais de seis por dia, recorde desde 1998.

É o ciclo que nos leva ao inferno.

Neste sábado, o cabo Leandro de Oliveira da Silva, de 39 anos, levou um tiro na cabeça enquanto fazia patrulhamento perto da estação de Triagem, em Benfica, na Zona Norte do Rio. No domingo, morreu o PM Felipe Brasileiro Pinheiro, de 34, que havia sido baleado quatro dias atrás no Complexo do Alemão.

A cada ocorrência dessa natureza, o governador Wilson Witzel tem determinado que se façam, como reação, megaoperações nas favelas onde estariam escondidos os criminosos.

E os cadáveres vão sendo empilhados.

Informa a Folha:
"Estudo realizado pela cientista social Terine Husek, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), contudo, mostrou que a diretriz [megaoperação como reação] só gera mais mortes. Diante da morte violenta de um PM, a chance de uma pessoa ser morta por um agente em serviço na mesma região é 3,5 vezes maior no dia seguinte e 1,2 nos sete dias posteriores. No mesmo dia, a alta é de 11,5, mas os óbitos podem ter ocorrido no mesmo evento. Ela analisou as mortes de policiais e causadas por eles de 2010 a 2015 no estado."

O enfrentamento armado em detrimento das ações de inteligência tende a gerar o ciclo perfeito da violência: estabelece-se uma verdadeira guerra a opor policiais e bandidos. Ocorre que, entre as duas forças armadas, há os cidadãos comuns, as crianças, que ficam no meio do fogo cruzado. E as tragédias estão aí, aos olhos de todos.

Ao tratar da estupidez em curso, o governo Witzel exibe números para justificar a carnificina: de janeiro a julho do ano passado, houve 3.101 homicídios no Estado, contra 2.392 neste ano — uma queda de 22,9%. É fácil e estúpido atribuir essa queda ao aumento de 19,6% de pessoas mortas pela polícia.

É cascata para justificar a truculência. Há uma queda de homicídios em quase todo o país — e ela pode coincidir ou não com a elevação de pessoas mortas por policiais. Para que essa relação fosse pertinente, seria necessário que os agentes de segurança tivessem surpreendido o assassino quando este estava prestes a fazer uma vítima fatal.

Se a política de segurança pública está tendo um impacto relevante na queda de homicídios, certamente isso não se deve à tal política do abate, aos ataques com helicóptero e à troca de chumbo a céu aberto. Tais práticas concorrem apenas para matar adultos inocentes e crianças. Dezesseis já foram atingidas por balas perdidas; cinco morreram.

Segundo a plataforma Fogo Cruzado, entre janeiro e 3 de setembro deste ano — antes da morte de Ágatha — 23 pessoas morreram e 61 foram feridas em razão de balas perdidas na região metropolitana do Rio. Essa contabilidade considera confrontos em que estavam presentes agentes do estado: policiais civis ou militares.

SÃO PAULO
Os números de São Paulo dão conta do desastre que está em curso no Rio e evidenciam a falácia do discurso da truculência. No primeiro semestre deste ano, as forças policiais mataram 426 pessoas no Estado, contra 415 no ano passado. O número corresponde a apenas 39,6% do que se matou no Rio. Ocorre que São Paulo conta 45,9 milhões de habitantes, e o estado vizinho, com 17,2 milhões.

Ou por outra: a polícia do Rio mata, em números absolutos, duas vezes e meia a que mata a de São Paulo, embora o Estado tenha pouco mais de um terço da população.

E, ora vejam, também nas terras paulistas os homicídios estão em queda: houve a menor taxa por 100 mil habitantes da história (6,77) — a menor do Brasil: 1.392 casos (contra 2.392 no Rio).

NÃO FUNCIONA
Mais dados: a PM de São Paulo tem 100 mil homens. Foram mortos 14 no primeiro semestre entre os que estavam em serviço (7) e de folga (7). No Rio, com 44 mil, as vítimas fatais já são 45. Não custa notar: proporcionalmente ao número de habitantes, há mais policiais no Rio do que em São Paulo. Se o número fosse correspondente, este segundo Estado deveria contar com mais 17 mil homens.

Assim, o caminho escolhido por Witzel mata mais inocentes, mata mais crianças e mata mais policiais.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.