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Reinaldo Azevedo

Aras: ótimo desempenho em sabatina; novo procurador-geral é derrota de Moro

Reinaldo Azevedo

26/09/2019 07h40

Augusto Aras durante sabatina no Senado: novo procurador-geral é, sim, derrota do lado nefasto da Lava Jato (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Augusto Aras já é o novo procurador-geral da República. Em votação secreta, seu nome foi aprovado por 68 votos a 10. Teve um excelente desempenho na sabatina até mesmo quando driblou algumas questões. Soube fazê-lo de forma politicamente hábil — e o cargo também é de natureza política. Não fosse assim, seria aprovado depois de uma prova de proficiência; não precisaria do aval de uma Casa política, como é o Senado. O indivíduo se torna procurador por concurso. Mas só vira procurador-geral se indicado por iniciativa do presidente da República, conforme prevê o Artigo 84 da Constituição, e aprovado pelo Senado. Ah, como esquecer? O resultado marcou mais uma derrota de Sergio Moro e, vá lá, uma vitória da democracia.

Reitero: seu desempenho foi muito bom. Se vai fazer ou não um bom trabalho, vamos percebê-lo por suas ações. Sim, eu já fiz uma dura crítica a ele aqui porque concedeu uma entrevista muito ruim à Folha. Sou esquisito assim: quando gosto, digo "sim"; se desgosto, digo "não". Parece-me razoável, certo?

Aras fez o regulamentar ao defender um Ministério Público Independente. Convenham: nem poderia dizer outra coisa. Declarou-se contra o ativismo judicial. Em regra, também sou. Não gosto de Judiciário que legisla. Mas ressalvou que o Congresso tem de fazer a sua parte. É uma resposta convencional, mas é a possível. Vamos à prática: a tarefa de criminalizar a homofobia, por exemplo, seria, sim, do Congresso. Se ele não o faz e se a discriminação se torna um valor influente, então é preciso que a Corte Constitucional coloque o Artigo 5º da Carta a serviço daqueles que estão tendo direitos fundamentais agredidos. É simples de entender, embora seja difícil de operar.

LAVA JATO
Ele citou dois casos em que, também eu, acho que o Supremo não tem de se meter: a descriminação das drogas e a do aborto. Pouco importa a opinião que cada um tenha a respeito, a resposta tem de vir do Congresso — embora a tentação de resolver tudo no tribunal seja grande. Na sabatina foi indagado sobre a Lava Jato. Afirmou: "É preciso que nós percebamos que toda e qualquer experiência nova traz também dificuldades. (…) Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava Jato porque ela é um resultado de experiências anteriores que não foram bem-sucedidas na via judiciária". E ainda: "É fundamental que os agentes públicos, especialmente do Ministério Público e da Magistratura, se manifestem nos autos. Se manifestem, como recomendam as doutrinas americana e alemã, somente na fase da ação penal. As investigações, quando são precedidas de opinião, importam em condenações prévias de todos aqueles que são mencionados".

Se o novo procurador-geral atuar para que isso se verifique, de fato, na prática, então se trilhará o bom caminho. Aras falou especificamente sobre a, digamos, desenvoltura de Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa. Elogiou o seu desempenho, o que faz parte do decoro, mas ressalvou: "Talvez, se tivesse lá alguma cabeça branca, dissesse para ele e para os colegas, jovens como ele, que nós poderíamos ter feito tudo como se fez, mas com menos holofote, menos ribalta, posto de outra forma." É claro que ele sabe que, com prudência e respeito à lei, não se teria feito tudo como se fez.

ABUSO DE AUTORIDADE
Marcou outro gol, a meu ver, quando defendeu a mudança da lei que pune abuso de autoridade: "Acredito que temos no Brasil uma lei de abuso de autoridade que pode alcançar a finalidade social a que se dirige a norma e pode produzir um bom efeito, porque é preciso que quem trate a coisa pública tenha o respeito devido ao cidadão".

É isso! Até porque o texto que pune abuso de autoridade não se limita apenas a juízes e policiais. Todos os homens públicos estão sujeitos a ele. Trata-se de uma legislação que coíbe os abusos do Estado contra os indivíduos. Opor-se a ela corresponde a defender o chamado "bom arbítrio", o que não inexiste. Como se sabe, autoritários dos mais diversos matizes acham que arbítrio bom é o seu e aquele que interessa à sua turma.

ÍNDIOS
Um dos temas tratados pelo presidente Jair Bolsonaro em seu desastrado discurso na Assembleia Geral da ONU apareceu. Afirmou sobre os índios: "É preciso que se diga que as populações indígenas são evidentemente pessoas dotadas de dignidade. Existem situações peculiares entre as comunidades que são os povos isolados. Mas também é preciso compreender que o índio, na sua dignidade de ser humano, também quer vida boa, vida compatível com suas necessidades. O índio não quer pedir esmola. O índio não quer viver ao lado de quem produz no agronegócio e tem 100 mil hectares de terra disponível, e ele não pode produzir porque é tratado como índio que tem o dever como continuar como caçador e coletor".

Com bom senso, competência e rigor técnico, a fala faz sentido. Sem esses elementos, não! É uma indecência que praticamente não se produza nada em Raposa Serra do Sol, onde a grande divisão se dá entre índios protestantes e índios católicos. Ali estão comunidades sedentárias — uso a palavra como antônimo de "nômades" — e já aculturadas. Com a devida supervisão — dada a forma como se estabelecem as reservas —, podem e devem produzir. Se o mesmo conceito for aplicado aos ianomâmis, de cultura nômade, haverá uma forma de genocídio. É preciso tirar o ódio da equação.

DERROTA DE MORO 
E onde está a derrota de Sergio Moro? Ele chegou ao governo certo de que faria o procurador-geral da República. Sim, seu candidato do coração e dos fanáticos da Lava Jato era Deltan Dallagnol, embora soubesse que, no próprio MPF, a indicação de um procurador de primeira instância encontraria resistência.

Quando percebeu que o presidente não daria trela para a listra tríplice, ele e sua turma tentaram patrocinar outros nomes. Dallagnol, por exemplo, chegou a marcar uma reunião entre o janotista (de Rodrigo Janot) Vladimir Aras, que é primo do novo procurador-geral, e Roberto Barroso, ministro do Supremo. O encontro aconteceu. O candidato a candidato nem chegou a fazer parte das conjecturas de Bolsonaro.

ANTILULISMO E PERDA DE PRIVILÉGIO DADO POR LULA
Também a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e as alas mais corporativistas do MPF sofrem um revés. Tem lá a sua graça. A categoria, na sua maioria, "bolsonarizou" durante a eleição, ainda que isso pudesse ser apenas reação ao petismo e ao lulismo. O fato é que o fenômeno se deu.

E foi Bolsonaro quem pôs fim a uma invenção de Lula à qual sempre me opus. O arquivo do blog está à disposição. Sempre fui contra a eleição direta para procurador-geral. Entre outras razões, há uma principal: não é o que prevê a Constituição. Há uma segunda. Não se entrega um cargo dessa importância a uma corporação, que se expressa por meio de um ente sindical.

Aras falou sobre a lista tríplice: "O corporativismo que a lista tríplice trouxe, a partir de 2003, é exatamente aquele que atomiza, que faz com que cada membro do Ministério Público seja um Ministério Público, que cada membro no Ministério Público caia na armadilha não do ativismo, que é uma expressão voltada para o Poder Judiciário, mas, quem sabe?, no voluntarismo ou numa verdadeira atividade caprichosa de alguns membros do Ministério Público".

No alvo! Tem ou não tem a sua graça? Ao aderir ao antilulismo militante na disputa de 2018, os senhores procuradores — com muitas exceções, claro! — fizeram uma escolha que lhes retirou um privilégio que Lula, ao arrepio da Constituição, lhes havia concedido.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.