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Reinaldo Azevedo

Conselho de Ética para Zambelli! E o “católico” do tiro na cara e tanque

Reinaldo Azevedo

30/09/2019 08h06

Zambelli e Küster: a direita de chanchada no Brasil expõe os seus valores e diz quais são suas utopias

Sinto um tantinho de vergonha alheia ao ler certas críticas à decisão tomada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, que determinou mandado de busca e apreensão em dois endereços ligados a Rodrigo Janot, suspendeu seu porte de arma e impôs que mantenha distância do Supremo e seus ministros.

A decisão está errada? Ok. Então o certo seria fazer o quê?

A julgar por alguns comentários, a única resposta cabível seria esta: "Nada!"

Entendi.

Então um ex-procurador-geral da República, que circula livremente por Brasília, confessa ter entrado armado na Corte Constitucional para matar um de seus integrantes; não evidencia o menor arrependimento — ao contrário: ele deixa claro que considera ainda hoje que tinha seus motivos —; aproveita as entrevistas para difamar o alvo de seu ódio, e tudo deve ficar por isso mesmo?

A agressão a ordem legal não está em ter pensado, um dia, em matar alguém. Ele foi além disso: ele agiu com tal propósito e não consegue apontar um motivo racional para não ter executado o planejado. Ao alardear, mais de dois anos depois, o absurdo perpetrado sem reconhecer o próprio erro, Janot:
a: faz, na prática, uma espécie de convite para que outros realizem aquilo ele mesmo não conseguiu sem que consiga explicar por quê;
b: evidencia que poderia fazê-lo ainda hoje;
c: deixa claro que dispõe dos meios se quiser tentar outra vez.

A crítica à decisão de Moraes demonstra a degradação da vida pública brasileira.

Tomem-se as suas palavras por coisas irrelevantes, e, em breve, assistiremos no Parlamento, nos tribunais e no próprio Executivo a divergência avançar para argumentos como: "Ou você se cala, ou eu lhe dou um tiro na cara!"

Ao que alguém poderia objetar: "Ah, Reinaldo, mas, nesse caso, estaria caracterizada uma ameaça!"

Pois é. Quando narra o que narrou, sem sinal de arrependimento, o que Janot está a dizer? Respondo: que o seu desafeto merece um tiro na cara. E que só não levou porque, na hora, seus dedos falharam. Mas a causa supostamente justa do ato criminoso permaneceria.

REDES DO ÓDIO
Basta ver o que seu deu nas redes do ódio. Sim, foram muitas as manifestações de espanto. Mas também não faltaram aqueles que aplaudiram Janot e que, ora vejam, lamentaram não ter conseguido o seu intento.

A delinquência explícita chegou ao Parlamento. Carla Zambelli (SP), deputada federal do PSL, partido de Bolsonaro, escreveu no Twitter: "Minha solidariedade ao ex-PGR. Gilmar Mendes sempre teve pouco escrúpulo." Opa! Solidariedade a quem? Ora, a alguém que confessa que se organizou para matar um ministro, que não se arrepende de tê-lo feito e que não sabe explicar por que não atirou.

A deputada não deve ter lido o Código de Ética e Decoro Parlamentar. São seus deveres, entre outros, listados no Artigo 3º:
II – respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da Casa e do Congresso Nacional;
III – zelar pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas e representativas e pelas prerrogativas do Poder Legislativo

São atos incompatíveis com o decoro parlamentar, entre outros, segundo o Artigo 4º:
I – abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1º;

Lembro o conteúdo do § 1º do Artigo 55 da Carta:
§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

Entre as prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional, está o que dispõe o caput do Artigo 53:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

Bem, só faz sentido entender essa inviolabilidade, por óbvio, para as questões que digam respeito ao exercício do mandato. A menos que se aceite que deputados e senadores têm imunidade para pregar o terrorismo, o estupro, a tortura, a pedofilia, o assassinato… Pergunto: têm? Vamos franquear um palanque em um dos Poderes do Estado brasileiro para a apologia do crime?

Quando Bolsonaro foi feito réu por apologia do estupro — ação suspensa enquanto for presidente porque o ato foi cometido antes do mandato —, a Primeira Turma do Supremo entendeu, e acho que está certa, que a imunidade não permite que o parlamentar incite ações criminosas ou delas faça a apologia. Essa não é uma de suas prerrogativas nem tem a ver com o seu mandato.

Mas notem que não trato disso aqui. Falo sobre decoro parlamentar. É evidente que os pares da senhora Carla Zambelli, que também é líder do movimento "Nas Ruas", têm de se perguntar:
1: ela cumpriu a Constituição e as leis ao escrever o que escreveu?;
2: ela zelou pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas e representativas e pelas prerrogativas do Poder Legislativo?;
3: ela não abusou das prerrogativas garantidas aos deputados?

A resposta é óbvia, e me parece evidente que, quando menos, seu caso tem de ser examinado pelo Conselho de Ética da Câmara.

Curiosa esta senhora. Ela conseguiu matricular seu filho no Colégio Militar de Brasília sem que ele passasse pela prova de seleção feita pela escola para os filhos dos outros mortais. Que justificativa ela deu? Ora, afirmou que o filho foi alvo de ameaças na Internet e que não se sentia segura em mantê-lo estudando em São Paulo.

Entendi. A deputada condescende com ameaças a terceiros. Quando o assunto chega à sua família, por que não desrespeitar as regras de uma instituição militar em nome da segurança, não é mesmo? Ao jornal "O Globo", explicou-se assim:
"Então, de forma emergencial, ele veio, mas a matrícula demorou alguns meses para sair até porque deviam estar avaliando perfil. Teve que fazer uma prova, é avaliado também o perfil do aluno na parte de disciplina, hierarquia".

A fala não faz muito sentido, mas dá para entender.

DEFESA DE ATOS CRIMINOSOS
No Twitter, um tal Bernardo P. Küster, outro bolsonarista barulhento, escreveu:

"Quem somos nós para julgar Janot? O homem chegou mais perto de fazer a vontade do povo do que qualquer um".

Uma das razões que levaram o ministro Alexandre de Moraes a determinar busca e apreensão na casa de Janot foi justamente "incitamento ao crime" — Artigo 286 do Código Penal. É o que fazem Zambelli e Küster, ainda que de maneira oblíqua. Ela está sujeita a processo por quebra de decoro, quando menos. Ele está sujeito a uma ação penal.

Ousado, o rapaz, que se diz católico, foi adiante. Tirou uma foto — ou fez uma montagem, pouco interessa — sobre um tanque com a seguinte legenda: "Indo visitar o Gilmar e o Toffoli".

A gente nota o, como direi?, "physique du rôle", e não parece que Küster seja exatamente talhado para a guerra. Iria se cansar com mais rapidez do que seus pares.

Entendo. Ele não faz parte da turma que atira. Ele integra a turma que faz a apologia do tiro.

Convém ler a decisão de Alexandre de Moraes e seus fundamentos. Nesse caso, estou com o ministro. Quem quiser que fique com Zambelli e Küster. Contra a lei.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.