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Reinaldo Azevedo

“Mito” escolhe tortura; eu, a lei. Decisão de Mendes sobre Flávio é correta

Reinaldo Azevedo

01/10/2019 04h09

Flávio Bolsonaro: embora a família não dê a menor bola para o estado de direito, este também vale para ela. Decisão de Mendes está correta (Foto: Dida Sampaio/Estadão)

Pois é, leitor amigo. O estado de direito não existe apenas para os nossos amigos ou para as pessoas de que gostamos. Vale também para aquelas por quem não temos a menor simpatia. E eu não tenho a menor simpatia pela Família Bolsonaro. Ela é, diga-se, uma das responsáveis pela máquina de desmoralização do Supremo Tribunal Federal. Basta ver o que escrevem declarados admiradores do "Mito" sobre membros do tribunal.

Como esquecer que a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) se solidarizou com Rodrigo Janot depois que este declarou ter entrado armado no Supremo para matar o ministro Gilmar Mendes? A tal CPI da Lava Toga, originalmente, foi insuflada pelos partidários do presidente. Só depois ele próprio se deu conta do buraco em que poderia estar se metendo ao estimular que um Poder investigasse Outro. Sem contar que o requerimento é inconstitucional porque não tem fato determinado, como exige a Carta para a instalação de uma CPI.

Por que essa introdução? Reproduzo texto do Consultor Jurídico, que foi quem tratou com mais detalhes uma decisão do ministro Gilmar Mendes — aquele que Janot queria matar, sob o aplauso de muitos bolsonaristas. Leiam com atenção. Volto em seguida.
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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão de todos os processos que envolvem a quebra do sigilo do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) no caso Queiroz. A decisão é do último dia 27.

A determinação do ministro vale somente em relação ao primogênito do presidente Jair Bolsonaro até o julgamento final, pelo STF, do tema 990 da repercussão geral, pautado para 21 de novembro deste ano.

Gilmar lembrou da decisão do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que determinou que a suspensão nacional sobre as múltiplas demandas em que se discute a forma de transferência, para fins penais, de dados obtidos por órgãos administrativos de fiscalização e controle —incluindo a Receita Federal, o Coaf e o Bacen. 

"A decisão paradigma ordenou a suspensão do processamento de todos os processos judiciais em andamento, que tramitem no território nacional e versem sobre o Tema 990 da Gestão por Temas da Repercussão Geral e ainda de 'todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal (PIC's), atinentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais, em trâmite no território nacional, que foram instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados"', disse.

Gilmar citou ainda um e-mail enviado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, datado de 14 de dezembro de 2018, no qual a Promotoria solicita ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras mais informações sem prévia autorização judicial.

"Ressalta-se que, ao invés de solicitar autorização judicial para a quebra dos sigilos fiscais e bancários do reclamante, o MP estadual requereu diretamente ao Coaf, por e-mail, informações sigilosas, sem a devida autorização judicial, de modo a nitidamente ultrapassar as balizas objetivas determinadas na decisão paradigma", observou o ministro.

O ministro ainda determinou que, "diante da gravidade dos fatos", envolvendo a troca de e-mails entre o MP do Rio e o Coaf envolvendo a quebra "indevida" do sigilo de Flávio, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) apure a responsabilidade funcional de membros do MP no episódio.

A decisão atende a pedido do advogado de Flávio, Frederick Wassef, que esteve reunido com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada no último sábado (28).

O Ministério Público do Rio investiga um suposto esquema de repasse de salários de servidores ao chefe de gabinete, por meio do então assessor Fabrício Queiroz, quando Flávio ainda era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

RECLAMAÇÃO
A ação de Bolsonaro questiona ato de desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Segundo ele, após decisão de Toffoli, providenciou a juntada da referida decisão junto a outras ações semelhantes do tribunal.

"Apesar de o Procedimento de Investigação Criminal e os Processos judiciais referidos versarem sobre o tema 990 da sistemática da repercussão geral e se enquadrarem na hipótese da decisão, eles não foram devidamente suspensos, restando descumprida a decisão-paradigma", disse em trecho da reclamação analisada.

RETOMO
A decisão de Mendes está aqui. Como resta evidente, o ministro só deu consequência a uma liminar anterior, concedida por Dias Toffoli. A ação original que resultou no despacho do presidente do Supremo também é de autoria da defesa de Flávio, mas diz respeito a muitos outros casos.

Pergunta-se: Toffoli agiu com correção e, por consequência, Mendes? A resposta é "sim". O sigilo é protegido pelo Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea. Deem, por favor, uma boa razão para o Ministério Público não pedir à Justiça a quebra do sigilo. Não há.

A decisão de Mendes seria inócua se o Ministério Público do Rio tivesse seguido a determinação de Toffoli, não é mesmo? Vale dizer: não há no despacho de agora novidade nenhuma, a menos que se esteja ignorando o Supremo.

O caso deve ser julgado pelo plenário do Supremo no dia 21 de novembro. Qual caso? A questão geral: pode-se quebrar o sigilo de um investigado sem autorização judicial? Órgãos de controle, como Coaf (rebatizado de UIF) e Receita, têm poder de devassar a vida de pessoas que são alvos de inquérito ao arrepio da Justiça?

Tendo a achar que o tribunal dirá que não. Deveria, vamos convir, ser por 11 a zero já que a Constituição é clara a respeito. Mas assim não será.

Flávio tem de ser investigado? Dado o depoimento de Queiroz, a minha resposta é "sim". Mas que se faça a coisa dentro da lei. Para Flávio Bolsonaro ou Luiz Inácio Lula da Silva. Sempre notando que parte considerável do bolsonarismo concorda com a primeira parte da afirmação, mas não com a segunda.

Fazer o quê?

Defendo o estado de direito para todos. Até para os Bolsonaros, que só se lembram de abraçar a tese em proveito próprio.

O pai de todos, por exemplo, Jair, em matéria de triunfo da lei e da ordem, opta mesmo é pelo torturador Brilhante Ustra.

Mas Bolsonaro não determina as minhas escolhas.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.