STF vai amansar anulações em casos de delação. Viva a Carta! Anule-se tudo!
O Supremo deve tomar hoje uma decisão moderada. Será melhor do que aquilo que tínhamos. Mas deixo aqui a viva sugestão de que, no caso, renuncie à moderação e parta para a radicalização: a radicalização em defesa do estado de direito. Explico.
Já se formou maioria no tribunal, em julgamento de um habeas corpus, segundo o qual o réu delatado tem o direito de entregar as alegações finais depois de conhecer as do réu delator. Tal entendimento começou a ser firmado quando a Segunda Turma, por três votos a um, anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, defendido pelo brilhante criminalista Alberto Toron.
No julgamento de um novo habeas corpus, Edson Fachin, o relator, levou a questão para o pleno. Já existe uma maioria de 6 a 3 em favor, como costumo dizer, da Constituição. O Inciso LV do Artigo 5º da Carta garante o direito ao contraditório e à ampla defesa. Ora, é evidente que, se o delatado não sabe o que dirá a seu respeito o delator — que já trabalha em parceria com o Ministério Público, que lhe ofereceu benefícios —, fere-se cláusula pétrea da Constituição.
Já se alinharam com a Carta os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello. O trio de Torquemadas do Supremo, que pensa que a toga é o manto do Santo Inquisidor, votou contra a Constituição como de hábito: Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux. O argumento da patota é risível: inexiste lei que preveja tal situação. É mesmo? Vai ver, então, a Constituição é ilegal. Parece piada.
Na última quinta-feira, Dias Toffoli suspendeu o julgamento, que deve ser concluído hoje. Marco Aurélio e ele próprio ainda não votaram. Mas já não há dúvidas sobre o procedimento daqui para a frente. A questão é o que fazer com os casos já julgados.
Quem abriu a divergência foi Alexandre de Moraes, e os outros cinco ministros votaram com ele na tese geral. O voto de Moraes, no entanto, já vem com uma modulação: ele entende que devem ser anuladas as condenações que desobedeceram ao mandamento constitucional se as respectivas defesas, tempestivamente, recorreram contra a prática então corrente de delator e delatado entregarem as alegações finais ao mesmo tempo. Uma nota: Ricardo Lewandowski opôs-se a essa restrição. E, nesse caso, estou com ele. Explico.
É muito provável que acabe triunfando o voto de Moraes. Se as defesas não recorreram no devido tempo — como fez Toron no caso Bendini e Roberto Zanin no caso do sítio de Atibaia —, então não caberia a anulação. O que penso a respeito?
DOS MALES, O MENOR, MAS…
Olhem aqui: entre a situação que se tem hoje e aquela a que se vai chegar caso o voto de Moraes saia vendedor, há um ganho inequívoco. Mas, nesse particular, o meu, digamos, voto coincide com o de Lewandowski.
Cumpriria ao Supremo ser nada menos do que exemplar nesse julgamento, pouco importando o número de anulações.
Por que me oponho à modulação? Porque se trata de um direito fundamental — aliás, destaque-se que o direito a um julgamento justo é um dos pilares da democracia porque este só existe… nas democracias. Não estamos falando aqui de eventuais prejuízos financeiros que o Estado possa ter imposto, por exemplo, a correntistas de bancos. Em casos assim, garante-se a quem recorrer a compensação por perdas passadas.
Um direito fundamental, entendo, não pode ser objeto de modulação. Se a defesa falhou em cobrar ao cliente a garantia que está na Constituição, tal garantia não deixa de existir por isso. Esse julgamento deveria marcar o reencontro pleno do Supremo com a Carta Magna, deixando claro, de maneira inequívoca, que abusos não serão tolerados.
Ademais, estamos vivendo o que considero o começo do declínio de tempos estranhos, em que a Constituição e as leis ficaram sob o escrutínio de hordas virtuais, que levaram o próprio Supremo a cometer erros.
Sim, é muito bom que o trio de Torquemadas já tenha sido derrotado. Na semana passada, vimos o estupefaciente Roberto Barroso a defender, e creio que insistirá na tese ainda hoje, que se passe a cumprir a Constituição apenas a partir de agora. Os que, no passado, tiveram violados seus direitos fundamentais assim deveriam permanecer. É asqueroso.
Reitero: houve, sim, um avanço. Advogo que o Supremo não tergiverse. Vale a Constituição. E ponto final. Para todos.