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Reinaldo Azevedo

STF e PGR não podem ignorar diálogos da Vaza Jato. Ou: Das provas ilícitas

Reinaldo Azevedo

04/10/2019 07h07

Embora não seja do gosto de Deltan Dallagnol, da Lava Jato como um todo e de Sergio Moro, o Inciso LVI do Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea, define: "São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

Por que afirmo não ser do gosto dos brutos? Uma de quatro propostas fascistoides do conjunto das malfadadas "10 Medidas Contra a Corrupção" previa justamente a admissão de… provas ilícitas. Para condenar, é claro! Em tempo: as outras três medidas fascistoides eram a virtual extinção do habeas corpus, a licença praticamente sem limites para prisões preventivas e o teste de honestidade.

Assim, quando vejo esses valentes hoje a criticar as publicações de The Intercept Brasil e parceiros alegando a ilicitude do procedimento, encho-me de tédio. Eles queriam oficializar a ilegalidade para punir pessoas. E não custa deixar claro: invadir conversas privadas é crime. O trabalho jornalístico não é.

Ora, é evidente que a prova colhida ilegalmente não pode ser usada para a persecução penal. Mas o eventual surgimento de uma evidência ou prova, ainda que marcadas pela ilicitude na coleta, pode e deve ser considerado para aliviar a situação de um réu ou de um condenado. Ou alguém aí pretende advogar, para usar uma situação extrema, que uma pessoa deva cumprir pena por homicídio embora evidenciada a sua inocência?

Admitindo-se que tenha havido o hackeamento e que o material que hoje está com os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux seja o mesmo que tem sido divulgado pela imprensa independente, parece apenas matéria de bom senso submetê-lo a uma perícia para atestar a sua autenticidade para que possa, sim, ser usado como peça de defesa.

Do conúbio entre juiz e procurador à seleção de alvos, passando pela manipulação do processo e por táticas de intimidação, a Lava Jato fez de tudo e mais um pouco.

Informa a Folha:
Em meio a questionamentos sobre os métodos da Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal tomará iniciativas para validar juridicamente as mensagens de Telegram envolvendo integrantes da operação.

Por meio do ministro Gilmar Mendes, o tribunal vai acionar a PGR (Procuradoria-Geral da República) para buscar verificar a autenticidade dos arquivos. Outros integrantes do STF apoiam o movimento de Gilmar nos bastidores.

Se a apuração atestar oficialmente a veracidade das mensagens, estas poderão ser usadas em processos com eventuais impactos sobre decisões judiciais e agentes públicos que atuaram na Lava Jato.

As conversas de Telegram, obtidas pelo The Intercept Brasil e divulgadas pelo site e por outros veículos, incluindo a Folha, expuseram a proximidade entre Sergio Moro e procuradores e colocaram em dúvida a imparcialidade, como juiz, do atual ministro da Justiça e a conduta da força-tarefa, incluindo o chefe, Deltan Dallagnol.

A PGR poderá receber o material do STF, que requisitou as mensagens à Polícia Federal, ou da polícia, responsável pela investigação sobre o caso.

A senha para que a corte adotasse uma medida foi dada na quarta-feira (2), no plenário, pelo subprocurador-geral Alcides Martins, designado pelo novo procurador-geral, Augusto Aras, para representar a PGR naquela sessão.

Momentos antes, na sessão, Gilmar criticara os métodos da Lava Jato com base nas mensagens já divulgadas pelo Intercept. O magistrado leu trechos das conversas dos procuradores e apontou indícios de ilegalidades.

"Queria deixar aqui patente a minha preocupação com todas as colocações feitas pelo eminente ministro Gilmar Mendes. Não me cabe fazer nenhum juízo de valor, seja em relação às pessoas, seja em relação às instituições, [aos] atos, à gravidade deles que foi referida", disse Martins.

"Se me permite, ministro Gilmar, se pudesse encaminhar esses elementos à Procuradoria-Geral para que fossem avaliados por quem é de direito, porque o que referiu é de extrema gravidade."

Gilmar decidiu enviar ofício à PGR solicitando que a instituição analise indícios de desvios funcionais de membros do Ministério Público citados por ele, o que pode demandar análise das mensagens.

Integrantes da nova composição da PGR têm sinalizado interesse em analisar tecnicamente os arquivos de texto.
(…)

RETOMO
Ora, se o devido processo legal está maculado — e isso, em vários casos, está claro —, não resta à Justiça outro caminho que não fazer a devida correção.

Os que invadiram conversas de terceiros já estão respondendo por seus atos. Ninguém está reivindicando impunidade. Se a prova colhida ilegalmente não serve para dar início à persecução penal ou para agravar a situação de um réu, é evidente que ela pode servir de instrumento para que o Estado não chancele uma injustiça ou um abuso.

Diga-se outra vez: não se trata de chancelar métodos ilegais de coleta de provas que servem à defesa. De resto, o eventual hackeamento das conversas entre procuradores e de Deltan Dallangol com Sergio Moro não foi feito com o intuito de beneficiar A, B ou C. Não há nenhuma evidência de que este ou aquele planejaram a coisa com tal fim: "Ah, vamos bisbilhotar a conversa deles para entregar o material a advogados de defesa".

Isso não aconteceu. O cometimento do crime — sim, é um crime — trouxe à luz os porões da Lava Jato. Nenhum procurador vai responder na esfera penal pelas agressões à ordem legal. Afinal, aquela proposta fascistoide de Dallagnol não vingou.

Mas o fato é que crimes da Lava Jato, que permanecerão impunes, não podem servir de instrumentos de punição de terceiros.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.