Vês, Janot? Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera
Sei lá o que imaginaram os editores quando organizaram uma noite de autógrafos em São Paulo para Rodrigo Janot lançar o seu "Nada Menos que Tudo". Foi um fiasco. Havia lá nada mais do que ninguém.
Apenas 43 pessoas deixaram seus afazeres numa noite razoavelmente fria para se dirigir à Livraria da Vila, nos Jardins, para ganhar uma assinatura do homem que confessa na própria obra seus impulsos homicidas.
O todo-poderoso da Lava Jato; o procurador-geral que tentou depor o presidente Michel Temer duas vezes; o homem de Estado que deu amparo às lambanças da Lava Jato que deixaram como herança o que vemos aí; aquele que até outro dia dizia que, enquanto houvesse bambu, lançaria suas flechas de empáfia… Bem, eis que o homem conhece o reverso da fortuna e o peso da solidão.
Ninguém mais se interessa por aquilo que tem a dizer.
Ninguém se importa com o seu pensamento.
Ninguém dá bola para ele.
É bem verdade que os eventuais leitores podem ter ficado com medo de levar um tiro, nunca se sabe.
Vendo a imagem patética nos sites noticiosos, foi impossível não lembrar de "Versos Íntimos", de Augusto dos Anjos — ou de boa parte do poema:
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
E creiam: quando toda a história for contada, outros que ainda surfam na onda da destruição do debate público, da institucionalidade e da política encontrarão igual destino.
E igualmente conhecerão o reverso do afago e do beijo.
Sim, é verdade: o poema de Augusto dos Anjos é um símbolo do pessimismo e da misantropia. O narrador projeta num outro a sua provável experiência amarga com os de sua espécie. Conheceu a traição, a decepção, a ingratidão. E é aconselhado a ter ao menos um gesto final de altanaria: recusar a piedade.
A personagem Janot é bem mais mesquinha do que isso.
Não creio que sua chaga, para ficar nos termos do poema, cause ainda pena a alguém.
O duro, para o Brasil, é arcar com o custo de sua obra.