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Reinaldo Azevedo

HOSPÍCIO DA EXTREMA-DIREITA 2: Evento tenta abafar colapso do bolsonarismo

Reinaldo Azevedo

14/10/2019 07h12

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que o pai presidente, Jair, quer ver na embaixada do Brasil em Washington, liberou na sexta e no sábado a primeira edição da CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora) no Brasil. A marca é importada dos EUA, de onde vieram alguns representantes. Por lá, já reúne o que há mais de mais reacionário na sociedade americana; por aqui, ganhou tintas explícitas de discurso fascistoide, porém misturadas ao velho e nativo patrimonialismo.

Explico. O evento foi bancado pelo próprio PSL, cujos recursos vêm do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral. E isso quer dizer que, para tentar consolidar a sua imagem de "líder conservador", Eduardo recorreu ao dinheiro público. Ele não é mesmo um exemplo notável de pensador liberal? Nos EUA, a CPAC é bancada por recursos privados. O deputado emprestou ao evento a chamada cor local.

Os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Damares Alves (Família e Direitos Humanos), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Abraham Weintraub compareceram e discursaram. Isso, por si, já dá uma ideia de que banda do governo se identifica com o evento. Os despropósitos foram se sucedendo até, creio, o que parece ter sido a culminância da estupidez. Discursando por último, Weintraub comparou FHC à AIDS. O ex-presidente teria enfraquecido as defesas do organismo brasileiro, permitindo, segundo o ministro da Educação, a chegada de Lula, que seria a doença oportunista.

O discurso é de uma delinquência assombrosa mesmo para quem espera qualquer coisa de um professor universitário que já deu reiteradas mostras de ser semianalfabeto na língua pátria e um analfabeto pleno em moral, ética e decoro.

A imprensa, claro!, apanhou, e até um vídeo deste escriba foi exibido. Numa entrevista, em janeiro de 2016, afirmei que Bolsonaro era notavelmente ignorante, precisava estudar e jamais seria eleito presidente da República. Eduardo achou que era uma boa ideia apontar o meu suposto erro, provocando urros de uma plateia que já havia exaltado o nome de um torturador.

Dizer o quê? Não previ, de fato, que Bolsonaro viria a contar com um eleitor essencial chamado Adélio Bispo de Oliveira. No vídeo que está nesta página, também lembro falas do passado do agora presidente e do próprio Eduardo sobre a reforma da Previdência. Eram radicalmente contrários à proposta. Aos berros, Bolsonaro pai pedia que Temer retirasse a emenda. Aconteceu outro dia: em 2017.

Eduardo demonstrou mais uma vez seu preparo intelectual para ser embaixador. Referindo-se ao atraso de um palestrante, resolveu dar uma satisfação à plateia com estas palavras: "Ninguém vai tocar fogo no prédio, né? Não vai ter mulher mostrando sovaco cabeludo, defecando e vomitando no chão e falando que é arte. E ninguém vai dizer que quem não gosta é fascista e racista".

Obviamente, não havia um único conservador por lá. Nas democracias, conservadores são aqueles que respeitam o molde institucional e fazem propostas de mudanças dentro desse arcabouço. Não são, de nenhum modo, disruptivos; não querem romper a ordem para impor a sua pauta. Aquela gente que estava lá, a começar do anfitrião, quer outra coisa.

Apesar do entusiasmo da turma, a extrema-direita brasileira vive uma espécie de colapso. Eduardo tenta inflamar de novo as milícias virtuais, mas os valentes já não se entendem. E a crise que o próprio presidente provocou em sua legenda, o PSL, é uma evidência. Neste domingo, dois pesos-pesados do bolsonarismo partiram para a briga no Twitter. Bolsonaristas se amando já não é algo que se deva ver sem tarja preta. Em luta, o confronto perde em elegância para dois hipopótamos disputando território na lama.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.