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Reinaldo Azevedo

Juiz absolve Temer em caso de gravação, não vê crime e aponta manipulação

Reinaldo Azevedo

17/10/2019 07h21

Pois é… E a Justiça Federal absolveu o ex-presidente Michel Temer no caso da tal gravação feita pelo empresário Joesley Batista. E não foi uma absolvição qualquer. Já chego lá. Antes, algumas considerações.

Lembram-se de Rodrigo Janot, aquele agora ex-procurador-geral da República que confessou ter instintos homicidas? Que se saiba, não matou ninguém. Felizmente! Mas ele pode muito bem entrar para a história como um assassino de instituições. Boa parte da ópera bufa que aí está se deve a ele e a seus bravos da Lava Jato.

Pois bem! Ele tentou derrubar Temer duas vezes com a apresentação ao Supremo de denúncias de supostos crimes cometidos pelo presidente no exercício do mandato. Nas duas vezes, a Câmara rejeitou a autorização para que o tribunal examinasse a eventual abertura da investigação.

Lembro: para que o Supremo possa examinar a denúncia, é preciso haver a autorização de pelo menos dois terços da Câmara — 342 deputados. Depois, segundo dispõe a Constituição, a maioria do Supremo precisa aceitar a denúncia ou queixa-crime. Caso isso aconteça, o presidente da República é afastado do cargo até o julgamento, segundo dispõe o Inciso I do Parágrafo 1º do Artigo 86.

A Câmara recusou o exame das respectivas denúncias nas duas vezes: a primeira, por corrupção passiva, por 263 votos a 227 e 2 abstenções; a segunda, por obstrução da Justiça, por 251 a 233 e 2 abstenções.

SEGUNDA DENÚNCIA
Pois bem. Temer foi absolvido no caso desta segunda denúncia, que foi a que gerou mais barulho. A Procuradoria Geral da República acusou o então presidente de ter incentivado Joesley Batista a comprar o silêncio de Lúcio Funaro para que este não fizesse delação premiada, o que teria o objetivo de proteger o grupo político do próprio Temer.

Essa foi a segunda denúncia, insista-se, que Janot apresentou, então, ao Supremo — que gerou a demanda para que a Câmara autorizasse ou não o tribunal a examinar se a aceitava ou a recusava. Como Temer não é mais presidente da República, o caso migrou para a primeira instância — no caso, a 12º Vara Federal Criminal do Distrito Federal. Foi aceita no dia 3 de maio deste ano.

Pois é, meus caros… Sabem o que o juiz viu em todo aquele espalhafato, que foi turbinado por um setor da imprensa que queria depor o presidente a qualquer custo? Resposta: nada! E isso está muito bem demonstrado na sentença.

A SENTENÇA
A decisão do juiz Marcus Vinicius Reis Bastos  chega a ser um pouco humilhante para o Ministério Público Federal. O magistrado apelou ao Inciso III do Artigo 397 do Código de Processo Penal para absolver o ex-presidente sumariamente em razão de "que o fato narrado evidentemente não constitui crime".

Entenderam?

À parte uma montanha de textos publicados na imprensa — muitos deles pautados pelo próprio MPF —, a única prova apresentada contra Temer foi aquela gravação feita por Joesley. E que, como se sabe, não prova absolutamente nada. Mais: o magistrado aponta, ainda que não empregue tal palavra, a adulteração da transcrição do material gravado para tentar sustentar a acusação.

Escreve o juiz:
"A prova sobre a qual se fia a acusação é frágil e não suporta sequer o peso da justa causa para a inauguração da instrução criminal".

Ou por outra: o que se tem é tão pouco que nem enseja procedimentos subsequentes de investigação.

Vai além:
"O diálogo quase monossilábico entre ambos evidencia, quando muito, bravata do então Presidente da República, Michel Temer, muito distante da conduta dolosa de impedir ou embaraçar concretamente investigação de infração penal que envolva organização criminosa".

Escreve o juiz:
"No trecho (…) das transcrições — principal argumento da acusação quanto ao crime de obstrução da justiça — a denúncia (…) desconsidera as interrupções do áudio, suprime o que o laudo registra como falas ininteligíveis e junta trechos de fala registrados separadamente pela perícia técnica que, a seu sentir, dão — ou dariam — sentido completo à conversa tida por criminosa".

Continuemos com o juiz:
"O diálogo tido pela acusação como consubstanciador do crime de obstrução de justiça (…) não configura, nem mesmo em tese, ilícito penal. Seu conteúdo, ao contrário do que aponta a denúncia, não permite concluir que o Réu estava estimulando Joesley Batista a realizar pagamentos periódicos a Lúcio Funaro, de forma a obstar a formalização de acordo de colaboração premiada e/ou o fornecimento de qualquer outro elemento de convicção que permitisse esclarecer supostos crimes atribuídos ao grupo denominado 'PMDB da Câmara'".

E conclui:
"Afirmações monossilábicas, desconexas, captadas em conversa com inúmeras interrupções, repita-se, não se prestam a secundar as ilações contidas na denúncia".

Em outras palavras: a única coisa relevante que se apresentou como prova contra Temer, nesse caso, foi a gravação. Mas o MPF manipulou a transcrição para tentar dar suporte à sua denúncia. É um vexame.

Sempre sustentei neste blog e em toda parte a inconsistência da denúncia que levou o país a um transe. Aqueles eventos ajudaram a fermentar o clima pró-Bolsonaro. E temos o que temos aí. Inviabilizaram, ainda, a reforma da Previdência e deram combustível, sem trocadilho, à greve dos caminhoneiros, já com o apoio do bolsonarismo.

E tudo isso ancorado num material que, como diz o juiz, não caracteriza ilícito penal, não servindo nem mesmo para inaugurar a instrução criminal.

Como? Algumas pessoas acham que Temer é culpado? Estou pouco me lixando para o que acham A ou B. Ao estado de direito, interessa saber se há ou não provas que sustentam uma denúncia e uma condenação. É na existência ou não de provas para condenar ou absolver que mora a conquista civilizatória. O resto é barbárie. Inclusive de alguns togados com assento no Supremo, não é mesmo, Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.