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Reinaldo Azevedo

Barroso contra a Carta, a gramática, a matemática e o decoro. Pelos pobres!

Reinaldo Azevedo

24/10/2019 07h46

Roberto Barroso: o ministro inventou a socialização da miséria constitucional. Acha que pobres e ricos sevem se igualar na falta de garantias. Um gênio (Pedro Ladeira/Folhapress)

Roberto Barroso, o Inquisidor Geral com Punhos de Renda e Palavras Maviosas, votou contra a Constituição no caso da prisão depois da condenação em segunda instância, é claro! Mas também votou contra a gramática, a matemática e o decoro.

Não foi a primeira vez. Não será a última.

É o porta-voz da Lava Jato na Corte.

Chegou a dizer: "As pessoas têm direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos".

Fato 1:
Artigo do 283 do Código de Processo Penal:
"NINGUÉM PODERÁ SER PRESO SENÃO em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, EM DECORRÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva."

Fato 2:
Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição:
"NINGUÉM será considerado CULPADO até o TRÂNSITO EM JULGADO de sentença penal condenatória".

Ou seja: Barroso acha que tem direito aos próprios fatos.

RESPONDEU A UMA CRÍTICA QUE FIZ
Respondendo a uma crítica que fiz neste blog, disse não se tratar de "intepretação gramatical".

Ou por outra: ao desprezar a gramática, que remete à leitura objetiva do texto, abriu as portas para votar como lhe desse na telha.

Não me surpreendeu.

Já defendeu as suas interpretações teratológicas em livro.

Deveria disputar eleições.

O problema seria encontrar eleitores.

Infelizmente, encontrou uma na vida: Dilma.

E deu no que deu. Ela o indicou para o Supremo no tempo em que ele era um acepipe (também no sentido que Abraham Weintraub supõe que tenha essa palavra) das esquerdas… Chegou a advogar de graça para o terrorista Cesare Battisti. Era a fina flor de certo "progressismo". Hoje, virou pitéu da extrema-direita.

FRAUDE MATEMÁTICA
Barroso se recusou a enfrentar a questão gramatical porque sabia não ter saída. Então resolveu jogar com números fraudulentos. Esgrimiu dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), que lhe devem ter sido soprados ao ouvido por Sérgio Moro — só faltou chamar Deltan Dallagnol para apresentar um Powerpoint —, segundo os quais o número de presos cresceu entre 2009 e 2016, no tempo em que só se prendia depois do trânsito em julgado, e caiu depois de 2016, quando o STF passou a autorizar a prisão depois da segunda instância.

E então tirou o seu gato por lebre da cartola:
"[Uma hipótese é que] Os tribunais passaram a ser mais parcimoniosos na decretação de prisão, portanto, a mudança de jurisprudência não prejudicou os réus, favoreceu os réus".

Raramente se ouviu raciocínio tão estúpido no tribunal. Para começo de conversa, notem que a bobagem não enfrenta o que está escrito na Constituição. Em segundo lugar, dados do CNJ indicam que são apenas 4.895 os presos que, em tese, podem ser beneficiados por um novo entendimento do Supremo — isto é, estão presos em razão da condenação em segunda instância, sem decretação de prisão preventiva.

Em terceiro lugar, pergunte-se: o que sugere o ministro? Que os tribunais de segunda instância davam um jeito de manipular a lei e, sabendo que o condenado poderia recorrer em liberdade, aplicavam-lhe, então, prisão preventiva? Em quarto lugar, note-se: se a preventiva substituía a execução antecipada da pena e se isso deixou de acontecer porque, afinal, já se pode prender, então se teria aí um empate. Perceberam? Ainda que os números do doutor fizessem sentido, sua conclusão seria uma asneira.

VOTO CONTRA O DECORO
Sempre ignorando a Constituição, Barroso defendeu a tese de que um tribunal tem de ser como o artista da música cantada por Milton Nascimento: ir aonde o povo está. Apelou à demagogia rasteira:

"A imprensa divulgou alguns dos beneficiários mais notórios, condenados por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Pobre não corrompe, não desvia dinheiro público nem lava dinheiro. Não é de pobre que estamos tratando aqui. A presunção da inocência é muito importante, mas o interesse da sociedade num sistema penal eficiente também é muito importante".

Perceberam? Ele está tratando de um voto puramente político. Nada disso tem a ver com a Constituição. A propósito: pobre não tem a execução da pena decretada depois da segunda instância? Haverá algum filtro censitário caso o Supremo decida de acordo com a Carta?

Mais: atentem para o socialismo de ponta-cabeça de Barroso. Como ele acha que a prisão depois do trânsito em julgado não beneficia pobres, então ele decide tirar a garantia constitucional também daqueles que ele considera ricos. Em vez de assegurá-la a todos, ele prefere que ninguém a tenha. Assim, todos se igualariam na miséria constitucional.

Não é um ministro. É uma aberração.

A propósito: Barroso toparia fraudar a Constituição em benefício dos pobres, ou seu agudo senso moral impõe que ele o faça apenas contra os que vê como ricos?

Ele também falou em tom crítico sobre os endinheirados que podem pagar advogados, demonizando, na prática, a categoria à qual pertenceu, transformando os profissionais em meros contínuos de luxo de nababos e larápios.

Vou tentar saber a lista de clientes que tinha em seu escritório quando advogado. Passou a banca para um sobrinho seu. O empreendimento cresceu bastante depois que ele virou ministro do Supremo. Vai ver o sobrinho é mais competente do que o tio…

Suponho que a clientela de maltrapilhos dobre o quarteirão, não é mesmo? Afinal, quem não vai querer como advogado o sobrinho de um ministro que odeia a Constituição, mas ama os pobres?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.