Topo

Reinaldo Azevedo

Os Bolsonaros sabotam o governo Maia-Alcolumbre. Ou: Cuidado, indústria!

Reinaldo Azevedo

24/10/2019 07h45

Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre: a reforma da Previdência foi obra do Congresso. Os Bolsonaros atrapalharam (Foto: Agência Senado)

Por enquanto ao menos, o presidente Jair Bolsonaro não está atrapalhando muito o governo comandado pelos presidentes da Câmara e do Senado: Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). Mas é claro que seu potencial para causar estragos é grande.

A reforma da Previdência era uma necessidade, como sabe qualquer pessoa razoável. Basta fazer as contas. Por si, não vai fazer o Brasil crescer. Ainda há muita coisa pela frente. É preciso agora cuidar da PEC paralela para tentar equacionar a conta previdenciária nos Estados. No horizonte, estão as reformas administrativa e tributária.

Paulo Guedes e sua turma apresentarão as suas propostas, e, como se sabe, caberá ao Congresso dar uma resposta. Trata-se, reitero, de tentar pôr em ordem, no médio e no longo prazos, as contas públicas. Aqui e ali, há sinais tímidos de reação da economia. Ainda vai demorar um pouco, não dá para saber quanto tempo, para que os brasileiros mais pobres sintam os efeitos positivos dos ajustes. Mas dá para dizer que estão ao menos no horizonte.

Deve-se atribuir isso tudo a Bolsonaro e ao bolsonarismo? Não se trata de má vontade nem de prevenção contra o presidente, mas é evidente que a resposta é "não". Estamos vivendo, sim, no que respeita a algumas ações virtuosas, uma espécie de parlamentarismo informal. E só por isso dá para ter algum otimismo.

Infelizmente, o presidente e suas crias — muito especialmente Eduardo e Carlos Bolsonaro — contribuem para criar constrangimentos e para gerar instabilidade política. Vejam, por exemplo, a lambança que o chefe do Executivo se encarregou de promover em seu próprio partido. Ou por outra: sempre que se faz necessária a intervenção do presidente da República, em vez de o problema diminuir de tamanho, ele aumenta.

Não fosse a constatação do Congresso de que a situação previdenciária era insustentável e condenava o país ao abismo, não se teria avançado nessa pauta. O sempre amaldiçoado Parlamento brasileiro chamou para si a responsabilidade.

Ok. Você pode estar entre aqueles que acham que a reforma da Previdência não deveria ter sido essa, mas outra. Mas é quase um consenso que, como estava, não poderia ficar. E olhem que falta muito para arrumar as contas. Bem, superou-se essa etapa. Mérito do Congresso. Antes ainda de se concluir a votação, os Bolsonaros se encarregaram de fabricar uma crise em suas próprias fileiras.

Mais: esse Congresso que está aí trabalhando segue em frente ignorando a patrulha estúpida exercida pelos setores de extrema-direita que dão suporte ao presidente nas redes sociais. Por eles, Maia seria enforcado com as tripas de Alcolumbre, ao lado de uma fogueira em que arderiam os ministros do Supremo. Há dois rachas no bolsonarismo: um é o do PSL propriamente; o outro, está nas escaramuças virtuais entre extremistas lunáticos e extremistas com algum senso de pragmatismo.

A parte virtuosa da agenda, que consegue avançar, nada tem a ver com o próprio Bolsonaro, com seus filhos e com as milícias asquerosas que lhes dão suporte nas redes sociais. Ao contrário: sempre que estes intervêm, o que se tem é problema.

A reforma da Previdência é um exemplo. Será promulgada, como antevi tantas vezes, só em novembro. Com articulação política, poderia ter sido aprovada muito antes. Aliás, tivessem aproveitado o texto deixado por Michel Temer, a fatura teria sido liquidada em maio. Mas lá estavam Bolsonaro e os seus para atrapalhar.

FALA IRRESPONSÁVEL
Não tem jeito. Há muito pouco a fazer com um presidente que não tem noção da gravidade das coisas que fala. Internamente, o Congresso pode dar conta de levar adiante a pauta necessária. Mas há o que não depende do Parlamento.

Lá no Japão, o presidente houve por bem refletir, mais uma vez, sobre as eleições na Argentina. E disse o seguinte, ao tratar do futuro do Mercosul:
"Sabemos que a volta da turma do Foro de São Paulo da Cristina Kirchner pode, sim, colocar em risco todo o Mercosul. E, em possivelmente colocando, possivelmente, temos que ter uma alternativa no bolso. Podemos nos reunir com Paraguai e Uruguai e tomarmos uma decisão".

É tanta bobagem que nem errada a fala consegue ser. Alberto Fernández já está praticamente eleito na Argentina. O Mercosul tem regras, que estão expressas no "Tratado de Ushuaia". O que sugere o presidente brasileiro? Que o segundo maior país do bloco pode ser expulso pela simples vontade dos outros? Segundo quais dispositivos?

Mais: o que faz Bolsonaro supor que o Uruguai se aliaria ao Brasil na sua guerra contra aquele que é o terceiro destino das exportações brasileiras e o maior comprador de produtos manufaturados do Brasil, com maior valor agregado?

Mais: Fernández e Cristina serão eleitos por vontade do povo argentino, que está se despedindo do desastroso governo de Maurício Macri. Bolsonaro trata o futuro resultado das urnas como se fosse algo ilegítimo. É claro que a indústria brasileira pode se preparar. Vem confusão por aí.

Isso a que se chama "governo Bolsonaro" consegue avançar sempre que não depende de… Bolsonaro. Ele é hoje o maior sabotador da gestão que leva seu nome — e, por extensão, do país.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.