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Reinaldo Azevedo

Mais uma evidência do complexo de Deus da Lava Jato quando Lula era o alvo

Reinaldo Azevedo

05/11/2019 08h45

Rosa Weber: Lava Jato deixou de cumprir sua obrigação, com a conivência de Sergio Moro, mesmo sabendo que reputação de ministra poderia ser injustamente atingida (Foto: Evaristo Sa/AFP – 07-10-2018)

A coisa é do balocobaco e de difícil entendimento. Reportagem publicada hoje pela Folha, em parceria com o site The Intercept Brasil, evidencia o complexo de Deus que tomava conta da Lava Jato; a certeza de que seus membros, em parceria com Sérgio Moro, poderiam manipular qualquer um, muito especialmente ministros do Supremo, e o que pode ser chamado de um rigoroso planejamento para condenar Lula.

Para entender o conteúdo de fundo, é preciso lembrar: o caso do tal tríplex de Lula em Guarujá era investigado pelo Ministério Público Estadual, em São Paulo, e não tinha nenhuma relação com a Petrobras ou com a Lava Jato. A operação, por seu turno, não conseguia encontrar nenhum ato de ofício de Lula ou ao menos promessa de benefícios a empreiteiras que pudessem fazer dele réu por corrupção passiva.

Foi então que a Lava Jato resolveu iniciar uma investigação paralela para tentar demonstrar que o tríplex era fruto do pagamento de propina da OAS — ainda que, na sentença condenatória, o então juiz Sergio Moro não tenha estabelecido a conexão entre o imóvel e contratos com a Petrobras.

A defesa de Lula reagiu. O ex-presidente estava sendo investigado em duas instâncias diferentes por um suposto mesmo crime. Recorreu ao Supremo e pediu uma liminar para suspender a apuração de Curitiba, uma vez que o imóvel ficava em São Paulo e não guardava conexão com os crimes investigados na Petrobras. A relatora sorteada foi a ministra Rosa Weber.

Lula já estava grampeado. E a operação teve acesso a todas as suas conversas, inclusive com seus advogados. O petista queria saber se havia alguma forma de conversar com Rosa Weber para tentar influenciar a sua decisão. Ele imaginava como interlocutores possíveis Jaques Wagner, hoje senador, e até a então presidente Dilma Rousseff. Não consta que a gestão tenha sido feita.

A ministra acabou não concedendo a liminar — o que permitiu, pois, a continuidade da investigação. Antes da negativa, deu prazo para que a defesa de Lula se manifestasse sobre os motivos apresentados pela Lava Jato para manter a investigação. A justificativa é que a apuração de Curitiba era mais ampla do que a de São Paulo.

A rapaziada, então, se apressou. No dia 4 de março, Sergio Moro determinou a condução coercitiva de Lula, com mandados de busca e apreensão em seus endereços. Duas semanas depois, Moro suspendeu as escutas telefônicas e determinou a quebra do seu sigilo, embora isso demandasse autorização do Supremo porque, afinal, entre os grampeados, ainda que indiretamente, estava a presidente da República.

Muito bem! Dado o contexto — há aí um resumo; sugiro que pesquisem para mais detalhes —, vamos à reportagem publicada hoje.

Por óbvio, o procurador-geral da República e o próprio Supremo — o relator do caso do petrolão era o ministro Teori Zavascki — deveriam ter sido informados de que o nome de Rosa Weber aparecia nas conversas de Lula, ainda que não houvesse evidência de articulação não-republicada envolvendo o petista e a ministra.

Pois os senhores da Lava Jato tomaram a decisão de não comunicar nada a ninguém. E, sim, Moro sabia de tudo. Tanto é que há conversa sua tratando do assunto com Deltan Dallagnol. Quando o então juiz quebrou o sigilo das conversas, incluindo aquelas que tinham sido gravadas ilegalmente, levou um pito de Zavascki — mas apenas isso.

Notem que os deuses de Curitiba tomaram a decisão de omitir do Supremo que as gravações envolviam não uma, mas duas autoridades com foro no tribunal: a presidente da República e uma ministra da Casa — justamente aquela que era relatora de uma petição apresentada pela defesa.

Imaginem se Rosa tivesse tomado atitude diferente, suspendendo a investigação. As gravações poderiam ter jogado na sarjeta a sua reputação.

Informa a Folha:
"Em explicações que enviou a Teori mais tarde, Moro disse que não havia evidência de que a ministra, "conhecida por sua elevada honradez e retidão", tivesse sido procurada pelos petistas. Segundo ele, o fato de ela não ter atendido aos pedidos de Lula era prova de que não havia irregularidade na sua atuação.
Os riscos apontados pela força-tarefa de Curitiba em fevereiro tinham desparecido. A Justiça de São Paulo transferiu para Curitiba a investigação que era conduzida pelos promotores estaduais. Em fevereiro de 2017, um ano depois, Rosa Weber arquivou a ação dos advogados de Lula, que perdera o sentido."

Mais uma vez, está evidenciado o que a Lava Jato e Moro entendem por imparcialidade, disciplina e devido processo legal.

Caberá ao tribunal decidir em breve se, no caso de Lula, a força-tarefa continuará a ser o Supremo do Supremo.

Deve ser a manipulação processual mais meticulosa da história.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.