Topo

Reinaldo Azevedo

Mendes: “Desvirtuamento de decisão do Supremo define mudança de orientação”

Reinaldo Azevedo

08/11/2019 07h43

Gilmar Mendes: um voto contra o desvirtuamento de decisão do Supremo e em defesa da Constituição (Foto: Reuters/Ueslei Marcelino)

O ministro Gilmar Mendes é um dos alvos preferenciais dos que acompanham o debate constitucional com os cotovelos porque, em 2016, na votação de um habeas corpus, foi um dos sete ministros que votaram em favor da prisão do condenado antes do trânsito em julgado.

Note-se: julgava-se ali um caso concreto. Não se tratava de matéria de controle de constitucionalidade. Desta feita, o que se decide é outra coisa: aquilo que dispõe o Artigo 283 do Código de Processo Penal é ou não compatível com a Constituição? Se as palavras fazem sentido, a resposta é "sim".

Mendes não teve receio de enfrentar o debate e seu próprio voto no passado:
"De forma cristalina, afirmo que o fator fundamental a definir essa minha mudança de orientação foi o próprio desvirtuamento que as instâncias ordinárias passaram a perpetrar em relação à decisão do STF em 2016"

E qual foi esse desvirtuamento? Ele apontou:
"O que o STF decidiu em 2016 era que dar-se-ia condição para se executar a decisão a partir do julgado em segundo grau. De fato, na própria ementa assentada no referido precedente, consignou-se que a execução provisória da pena seria uma possibilidade, não uma obrigatoriedade"

O ministro deixou claro que a Lava Jato, por assim dizer, capturou a decisão do Supremo de 2016 e a transformou em um dos pilares do que chamo — eu, não Mendes! — terror jurídico. Se vocês notaram, e o ministro o lembrou com todas as letras, prisões preventivas que se alongavam indefinidamente à espera de delação se juntavam à condenação em primeira instância — com a preventiva mantida — e depois à confirmação da sentença em segunda instância com execução imediata da pena.

Ou por outra: não se cuidava mais de falar de prisão depois da condenação em segunda instância. Prende-se desbragadamente antes de instância nenhuma. O sujeito entra na cadeia sem nem ainda ser réu para sair quando a Lava Jato quiser.

A decisão de 2016, que previa que cada caso fosse examinado individualmente para averiguar a oportunidade ou não da execução provisória, não foi, na prática, cumprida. E que se note: eu me opus àquela posição em 2016.

Mendes apontou ainda um dado inequívoco: a prisão de Lula acabou saltando para o centro da questão, distorcendo seu sentido e lhe emprestando um claro viés político.

De resto, note-se: o ministro não tardou a perceber que aquela decisão de 2016 havia se transformado num instrumento que permitia toda sorte de abusos. Antes desta quinta, ele já havia proferidos votos contra a execução provisória: foi favorável, por exemplo, à concessão de habeas corpus a Lula em 2018 e concedeu HCs, quando julgou cabível fazê-lo, a pessoas que estavam presas antes do trânsito em julgado.

Como? Sua vontade de criticar Mendes, ignorando as respectivas naturezas distintas do que se votou em 2016 e do que se votou em 2019, é irrefreável? Oponha-se, então, caso não consiga se conter, ao voto de há três anos e aplauda o de agora. Até porque o ministro admitiu, "de forma cristalina", o que chamou de "mudança de orientação".

Uma mudança em favor da Constituição, operada num voto desassombrado, que, mais uma vez, fez picadinho da tentativa de se criar um estado policial no Brasil.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.