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Reinaldo Azevedo

Nota do PSDB sobre Lula agride a lógica e expressa, no fundo, frustração

Reinaldo Azevedo

08/11/2019 23h17

O PSDB produziu a pior nota oficial de sua história, assinada por seu presidente, o deputado Bruno Araújo (PE). Não é responsabilidade pessoal, mas coletiva.

Eu poderia dizer que, às vezes, é preciso contar até 10 antes de emitir veredictos. Mas me corrijo antes de escrever: é preciso SEMPRE! O texto mal esconde uma espécie de frustração de quem vai ter de rever uma estratégia que parecia virtuosa. E que não é mais. Segue em itálico o que escreveu o PSDB. Comento em negrito, trecho a trecho.

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NOTA DO PSDB SOBRE A SOLTURA DO EX-PRESIDENTE LULA*

Nos últimos meses os chamados partidos de esquerda ficaram na cômoda posição de não participar do esforço nacional de recuperação das dificuldades criadas ao longo de seus governos para ficarem na confortável posição do grito "Lula Livre".
Observe-se, de saída, que a nota busca atacar "os partidos de esquerda", não o PT em particular. Logo, trata-se de uma manifestação de uma legenda que se quer o oposto das esquerdas. O PSDB, portanto, mantém a escolha de disputar com Bolsonaro o coração dos direitistas… Ganha um Chicabon de Prêmio Consolação quem achar que isso vai dar certo. A menos que a Polícia consiga tirar Bolsonaro de cena, nada feito.

Pior: nem verdadeira é a afirmação. O PDT de Ciro Gomes não está engajado no "Lula Livre". E é, vá lá, de esquerda. O PSB pode ser simpático, mas essa não é sua causa principal.

Mais: quem disse que as esquerdas não participaram do "esforço nacional"? Participaram. A maioria dos parlamentares se opôs à reforma. Os tucanos de hoje ainda se lembram dos tucanos de ontem?

Só nas democracias é permitido fazer oposição, mesmo às coisas boas!!! Na Coreia do Norte, não é. Seria o neotucanato partidário de Kim jong-un? Por lá, quem "não participa do esforço nacional" é fuzilado.

A propósito: o PSDB foi absolutamente fiel à reforma da Previdência. Cedeu o relator à causa na Câmara. E o partido é tratado aos chutes pelo Planalto. Como se fosse inimigo. E, por ora, ainda não conquistou o coração da direita. Por que o PT deveria tentar?

Os apoiadores de Lula, inelegível pela lei da ficha suja, se recusaram a dialogar, votaram contra as reformas que adequaram o Estado aos novos tempos e sequer propuseram saídas para a crise em que jogaram o Brasil.

Lula, Dilma Rousseff – sucessora escolhida por ele – e o PT são os responsáveis diretos pela maior recessão de nossa história, pelo déficit fiscal explosivo, pela alta taxa do desemprego, e pela subsequente estagnação da economia. Propiciaram também a volta do crescimento da pobreza registrado a partir de 2015, segundo pesquisa do IBGE divulgada esta semana, após uma longa série de avanços que remontava aos anos noventa.

Sem entrar no mérito das afirmações, o que isso tudo tem a ver com fato de que o Inciso LVII do Artigo 5º assegura que "ninguém é culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"? Na hora da disputa eleitoral, os adversários do PT dirão isso e muito mais sobre a legenda.

Convém que um partido que se quer esclarecido e que não invista no obscurantismo não confunda matéria eleitoral com a defesa de leis de exceção.

Esse ataque ao PT já é matéria de campanha eleitoral. Nada tem a ver com Lula livre ou Lula preso.

Decisão judicial se respeita. A soltura do ex-presidente Lula, entretanto, pode alimentar ainda mais um clima de intolerância na sociedade brasileira, no qual polos extremos preferem se hostilizar ao invés de dialogar.

Não entendi a afirmação. O PSDB sugere que o Supremo tome decisões ao arrepio da Constituição e das leis, avaliando antes se o clima político vai radicalizar ou não? Sobra a impressão de que o partido percebe que, numa eventual polarização entre Bolsonaro e Lula, quem pode dançar são os tucanos.

Não está escrito, mas é como se a legenda escrevesse: "Pouco importa o que dizem a Constituição e o Código de Processo Penal, o Supremo deveria ter mantido Lula preso para evitar a radicalização, colaborando, assim, com a nossa estratégia.

Com Lula solto, nova palavra de ordem não basta mais. Será preciso apresentação de soluções para a crise que eles próprios criaram. Retórica vazia não gera emprego nem reduz miséria ou desigualdade. Cabe a todos os atores políticos serem responsáveis e serenos neste momento de nervos à flor da pele.

Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB
Não entendi de novo. O PSDB está dando um conselho ao PT, explicando como o partido poderia ser mais eficiente, é isso? Curioso! Convenham: imaginei que uma estratégia eventualmente errada dos petistas interessaria aos tucanos, não? Ou agora o PSDB se candidata a conselheiro e ombudsman dos companheiros, para que estes sejam mais eficazes em sua ação?

Com eventual arranjo da gramática, a parte final da nota é a única coisa que faz sentido. Cabe serenidade. Tudo o que o texto em tela não traz.

A propósito: o Supremo tomou uma decisão relativa a três ADCs, que são matérias que tratam de controle de constitucionalidade. Não vi a Constituição na nota do PSDB.

Não escrevo isso para esculhambar o partido, não!

O PSDB resolveu dar conselhos ao PT. Eu dou conselhos ao PSDB. Mas com uma diferença: tucanos e petistas querem a mesma coisa: o poder.

Eu só quero o triunfo da lógica, lamentando que o PSDB tenha se transformado num partido incapaz de defender o estado de direito.

Os tucanos precisam voltar para a prancheta.

Com essa nota, tucano não voa. Mas isso não é problema meu. Já a agressão à lógica é, sim. A lógica é um bem universal.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.