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Reinaldo Azevedo

Palmares: incerto sobre agenda econômica, Bolsonaro alimenta os seus boçais

Reinaldo Azevedo

29/11/2019 17h09

Sérgio Nascimento de Camargo: o problema do rapaz não é ser "negro de direita", mas ser um estúpido, pouco importando a sua cor. Foto: reprodução

Como explicar a absurda nomeação do tal Sérgio Nascimento de Camargo para a presidência da Fundação Palmares? Sim, é uma provocação barata. Acontece que o presidente precisa alimentar a sua grei de fascitoides na Internet.

Jair Bolsonaro está inseguro sobre a condução da economia, a cargo de Paulo Guedes. Está com medo do povo. Já percebeu, creio eu, duas coisas. Se algum bem advier aos mais pobres decorrente das medidas tomadas até agora, vai demorar um pouco. Mas alguns malefícios são imediatos, como sabem os consumidores, por exemplo, de carne e combustíveis. Daí a decisão de desacelerar as reformas, o que deixa Paulo Guedes bravo e o leva a falar besteira em entrevistas, como se estivesse desafiando os jornalistas. O que nós temos com isso? Reportamos, no mais das vezes, o que eles fazem.

Bolsonaro não é de todo ignorante. Já percebeu, vamos dizer assim, um lado meio "pobrofóbico" de seu ministro da Economia. Nem o presidente digere direito a máxima de que é o excesso de direitos dos que têm muito pouco que atrapalha o Brasil, razão por que o ministro quer taxar seguro-desemprego, barrar os recursos ao INSS, acabar com a renúncia fiscal da cesta básica, restringir o acesso ao juizado especial federal cível, que julga processos envolvendo valores de até 60 salários mínimos…

Tudo isso pressionado, no momento, pelo preço do coxão duro…

Então vem a escolha desta triste figura para a Fundação Palmares.

Ora, é claro que ele poderia ser um negro de direita. De que direita? Vamos ver: digamos que ele fizesse profissão de fé no antiestatismo; que estivesse realmente empenhado em sobrepor as questões individuais à perspectiva coletivista; que fosse — e é possível sê-lo sem aderir à estupidez — contra a política de cotas; que buscasse desvincular a questão racial de discursos ideológicos que trazem junto uma pauta também política… Não estou dizendo ser esse um bom ideário. Noto apenas que há um espaço para debates escolhas feitas pela militância dos movimentos negros.

Mas o tal rapaz não é nada disso. Trata-se apenas de alguém orgulhoso de sua ignorância, satisfeito com a própria estupidez, que sente especial prazer em afrontar aqueles nos quais se reconhece, mas com os quais não quer estabelecer vínculos porque se sente desigual entre iguais e igual entre desiguais.

As coisas que fala sobre o movimento negro e a questão racial não propõem uma interpretação que fuja, então, de um modelo mais ou menos padronizado de enfrentamento do preconceito racial. Ao contrário: ele é a própria encarnação do preconceito, reproduzindo, entre nós, a patética figura de judeus que aderiram ao nazismo. E não foram poucos. Não raro, tratava-se de figuras medíocres, sem expressão, irrelevantes na própria comunidade, que viram naqueles que os odiavam um caminho de ascensão social.

Não é o único. As figuras do bolsonarismo na área da educação e da cultura têm uma marca: sem exceção, ou são ressentidos que não se sentiram devidamente reconhecidos antes de aderir ao novo credo ou eram figuras que estavam condenadas à irrelevância e ao anonimato. Agora empoderadas, aboletadas num órgão do Estado, aproveitam-se, então, da condição para expressar o seu rancor.

O que quer Bolsonaro com essas escolhas?

Isso que estamos vendo. Lideranças de movimentos negros fizeram hoje um protesto na Fundação Palmares. Isso dá chance a que o Sérgio Nascimento Camargo acuse a suposta truculência da turma e a patrulha ideológica de que estaria sendo alvo. Afinal de contas, não é?, por que o tal rapaz não pode achar que a escravidão foi um bem para os negros. Como a estupidez característica destes tempos, indagam os idiotas e o que se fingem de idiotas: "Ele não tem direito a uma opinião?"

É bem verdade que uns tantos morreram nos navios negreiros; é bem verdade que havia a rotina dos castigos físicos; é bem verdade que marcas da escravidão estão na sociedade brasileira até hoje; é bem verdade, como afirmou Joaquim Nabuco, que a escravidão definiria por muito tempo as nossas vastas solidões — inclusive as solidões morais.

Mas o tal se diz um "negro de direita" e, como tal, em vez de ter opiniões, por exemplo, sobre o livre mercado, ele prefere fazer digressões sobre os benefícios do chicote. Seu padrão de comparação: ora, os negros da África de hoje. Nem mesmo ocorre ao rapaz que falar em "uma África" adiciona um outro elemento a uma perspectiva racista: ignorância histórica.

Ele é o pateta perfeito do bolsonarismo. Afinal de contas, tudo está como o bolsonarismo gosta: negros estão brigando com negros, o que, na cabeça dos boçais, representa a necessária quebra do fator identitário, que é, de verdade, o que incomoda a extrema-direita.

E o governo, com a agenda econômica emperrada, continuará a investir no extremismo ideológico. É o mesmo fator que leva o presidente a afrontar a Constituição e excluir a Folha de uma licitação pública para a aquisição de publicações.

Essa é a agenda de Bolsonaro. É diferente daquela proposta por Paulo Guedes? Mais ou menos. O ministro da Economia também não gosta dessa gente que fica por aí reclamando e protestando. Não dá bola para essas coisas de Fundação Palmares. Por ele, a AI-5 e a excludente de ilicitude ajudariam a botar as contas no lugar.

Os pobres um dia sorrirão. Quem sabe, um dia, no futuro, os pobres dissessem: "Ainda bem que o governo deu um couro nos nossos ancestrais. Temos uma vida bem melhor do que os miseráveis do Haiti".

Bolsonaro quer precisamente isso que está em curso: os protestos.

Mas, por óbvio, não resta aos negros e aos que defendem o pacto civilizatório outro caminho: o silêncio seria inaceitável.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.