Juíza Selma, a Moro de saia, vai da glória vã ao mandato cassado em horas
Esta terça-feira teve lá a sua graça no Senado, embora feita de uma ironia que, no fim das contas, é trágica. A grande moralista Juíza Selma (PODE-MT), que se vendeu ao público como "o Moro de saias", viu a CCJ aprovar uma estrovenga moralistoide e absurda que ela relatou. Pouco depois, por 6 votos a 1, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o seu mandato por abuso de poder econômico e captação ilegal de recursos.
Que momento lindo!
Vamos lembrar. Esta senhora era juíza do Estado de Mato Grosso e conseguiu criar a fama de ferrenha adversária da corrupção. Resolveu fazer a coisa render na política. Candidatou-se a senadora pelo PSL de Bolsonaro. Foi eleita. Aí migrou para o Podemos, de Álvaro Dias (PR), porque julgou que o seu partido de origem não lhe deu o devido apoio quando foi pega com a boca na botija. Já o Podemos a recebeu de braços abertos.
Pois bem! A impoluta Selma se ligou ao tal grupo "Muda Senado", aquela turma que diz repudiar as velhas práticas da política. Eles são contra até a velha prática de respeitar a Constituição… Foi assim que a doutora de se fez relatora de um projeto de lei que altera o conteúdo do Artigo 283 do Código de Processo Penal e institui a execução da pena depois da condenação em segunda instância, numa clara violação ao que dispõe o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição.
O texto, é bem verdade, prevê que o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem suspender a prisão se o recurso à terceira instância "não tiver propósito meramente protelatório" e "levantar questão constitucional ou legal relevante" que possa resultar em liberdade. Trata-se de uma notável técnica legislativa que confere ao STJ e ao STF um juízo prévio de admissibilidade do recurso. Na essência, viola a Constituição; se posto em prática, seria só um exotismo.
De toda sorte, a ex-juíza faz o gênero coração valente, que não tergiversa diante da corrupção. Tanto é que ela está entre aqueles que defendem que uma eventual mudança da legislação a respeito tem de retroagir para punir Lula e outros. Sua ousadia, como se vê, não exclui aberrações.
TSE
O Tribunal Superior Eleitoral, no entanto, lhe aplicou uma lição vexaminosa. Os ministros Og Fernandes (relator), Luis Felipe Salomão, Tarcisio Vieira, Sérgio Banhos, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber mantiveram decisão doTRE-MT (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso), de abril, e cassaram seu mandato, punição que alcançou os suplentes: Gilberto Possamai e Clerie Fabiana Mendes.
Selma e Possomai se tornaram ainda inelegíveis por oito anos. Por maioria, o tribunal determinou a realização de uma nova eleição.
Só Edson Fachin, que costuma posar de Torquemada no STF, votou a favor de Selma. Deve tê-la confundido com o "moro de calça"…
Resume a Folha:
"Fernandes, relator do recurso de Selma no TSE, destacou que a senadora omitiu de sua prestação de contas um contrato de mútuo no valor de R$ 1,5 milhão assinado entre ela e Possamai, valor que coincide com o total de dois cheques emitidos pelo primeiro suplente para quitar despesas no período pré-eleitoral, quando ela ainda não era oficialmente candidata. A acusação é que o contrato de mútuo foi simulado para que o dinheiro fosse movimentado à margem da contabilidade oficial. Havia no processo contratos, notas e depoimentos, inclusive de representantes das empresas contratadas no período de pré-campanha."
A Procuradoria-Geral Eleitoral já havia dado parecer favorável à cassação. A íntegra está aqui. Ali estão listadas todas as flagrantes irregularidades praticadas pela "Moro de saia".
Não é sempre que um moralista empedernido é confrontado com a sua própria obra, mas, às vezes, acontece.
A defesa de Selma e ela própria alegam que a ex-juíza acabou sendo vítima de forças que ela combateu quando juíza. É mesmo, é? Não consta que tenha sido algum dos sentenciados a fazê-la simular um contrato de mútuo para burlar as regras de prestação de contas da campanha.