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Reinaldo Azevedo

Moro: como falar bobagens, perder o debate e se dizer ofendido com os fatos

Reinaldo Azevedo

12/12/2019 08h17

Sérgio Moro durante entrevista à Folha: agressividade e falta de argumentos (Foto: Pedro Ladeira)

Sérgio Moro, ministro da Justiça, concedeu uma agressiva entrevista à Folha, que contrasta, por exemplo, com a lhaneza da fala ao jornal do general Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo. Que coisa! Parece que quem confunde imprensa com um quartel, de que ele fosse o chefe, é o ex-juiz. E, por óbvio, isso não me surpreende.

Os jornalistas não se intimidaram com o tom, embora, por óbvio, tenham tido de operar no limite necessário para garantir a fluência da conversa. Moro é viciado em elogios. E não suporta, como resta evidente, ser contestado. Ainda se vê na condição do rei absolutista da 13ª Vara Federal de Curitiba, quando tratava aos chutes os advogados de defesa. Na entrevista à Folha, quando se viu sem resposta, preferiu tachar a pergunta de ofensiva.

A coisa mais fabulosa da entrevista é atribuir ao STF a responsabilidade pela avaliação ruim que fazem os brasileiros sobre o combate à corrupção no governo Bolsonaro. Segundo o doutor, isso decorre de o STF ter decidido fazer valer a Constituição no caso prisão só depois do trânsito em julgado.

Sugere que a liberdade de Lula fez com que as pessoas avaliassem mal o governo. É uma aberração. Nada menos de 54% aprovam a soltura do ex-presidente. Confrontado com o dado, ele atribuiu essa opinião ao fato de o petista contestar as acusações. Ora vejam! Então ao condenado cabe elogiar a sentença, ainda que se considere injustiçado!?

Que coisa! Lula livre contribuiria para rebaixar a avaliação que a população faz do combate à corrupção. Já o senador Flávio Bolsonaro e seu amigão Fabrício Queiroz e o ministro Marcelo Álvaro Antônio, flagrado no meio do laranjal, não devem ter nada com isso…

É do arco da velha!

Destaco alguns outros pontos da entrevista.

QUEDA DE HOMICÍDIOS
Afirma o ministro como um dos seus trunfos:

"Até a última estatística, a gente teve uma diminuição de 22% de assassinatos em relação ao período do ano passado. Não é trivial. É um mérito compartilhado com os estados."

Não há uma única ação que possa ser creditada à gestão Bolsonaro. Sim, deve-se tentar saber o que ocorreu nos Estados. No que concerne a planejamento federal, os méritos pertencem ao governo Temer. É apenas um fato.

VAI CONTINUAR NA POLÍTICA?
Diz Moro:

"Não tenho nenhuma pretensão de seguir a política partidária. A perspectiva de ingressar no governo foi para consolidar o que vinha fazendo como juiz, principalmente no campo de enfrentamento à corrupção"

Já negou antes que assumiria um cargo político. A negativa não vale uma nota de R$ 3.

E concorrer como vice de Bolsonaro em 2022?
"O que temos é um vice-presidente que respeito muito, Hamilton Mourão. Um general consagrado que colocou em risco a carreira em um determinado momento para defender o que ele pensava. Acho que essa discussão não é apropriada no momento."

Elogiar Mourão é parte do jogo, claro! Notem que afirma ser a discussão não é apropriada "para o momento". E depois? Aí ele não diz.

EXCLUDENTE DE ILICITUDE
Ele volta a fazer uma defesa asquerosa e atrapalhada da licença para matar, o que lhe foi negado pelo Congresso. E insiste em suas virtudes. Dizer o quê?

MANIPULAÇÃO DAS GRAVAÇÕES
Prestem atenção a esta sequência de perguntas e respostas:


FOLHA:
A Folha publicou duas reportagens recentemente sobre a divulgação de áudio entre Lula e Dilma em 2016. Uma fala que o sr. não seguiu o padrão estabelecido na Lava Jato e outra mostra que diálogos de Lula naquele mesmo dia revelam que ele resistia ao convite para assumir a Casa Civil. Os dois episódios não contradizem a decisão do sr. da época?


MORO: De forma nenhuma. Externei na minha decisão que havia sido captada uma possível tentativa de obstrução de Justiça, que havia sido finalizada a interceptação, que estávamos dando publicidade àqueles fatos para inclusive coibir a tentativa de obstrução, para que o público soubesse. Não precisamos esconder segredos sombrios de homens públicos. A transparência é fundamental.

FOLHA: A partir do momento que discute isso por mensagens, não passa a sensação que estavam tentando esconder?

MORO: Isso partindo do pressuposto de que são lícitas e todas autênticas.

FOLHA: Mas o sr. nunca negou o conteúdo delas.

MORO: Acho que não cabe nem negar nem afirmar porque eu não tenho mais essas mensagens, que eu troquei no passado e trocava com muitas pessoas, mas nenhuma delas revela espécie de fraude processual, alguém incriminado indevidamente.

COMENTO
Pela ordem: a gravação, ela mesma, era ilegal. E ilegal também foi a sua divulgação. Como se vê, quem faz a lei é o próprio Sérgio Moro. Aí ele se sai com frase de efeito: "Não precisamos esconder segredos sombrios de homens públicos. A transparência é fundamental." Em qualquer caso, é preciso respeitar a lei.

MINISTRO COMO ADVOGADO DO CHEFE
Quando, no entanto, atuou como advogado de seu chefe, o comportamento foi bem outro. Leiam esta outra sequência:

FOLHA: O sr. disse que havia acabado o tempo de ministros da Justiça que são advogados de integrantes do governo. O sr. saiu, no entanto, em defesa do presidente no caso de uma planilha que sugeria que a campanha dele tenha sido abastecida com dinheiro de caixa dois.
MORO: Defendo em absoluto o trabalho da Polícia Federal.

FOLHA: Nesse caso, o sr. defendeu o presidente.

MORO: Nesse caso, o que eu critiquei foi a manchete da Folha e não a investigação da polícia. A manchete distorcia a investigação da PF. A investigação da PF não falava em caixa dois da campanha do presidente.

FOLHA: Nem a manchete da Folha. A manchete jamais disse que a PF investigava. A Folha descobriu uma planilha e um depoimento da investigação que indicam isso.

MORO: Não lembro o teor da manchete, a minha crítica foi à distorção do conteúdo da investigação pela Folha de S .Paulo, com todo respeito naquela ocasião.

FOLHA: O sr. defendeu a campanha do presidente. O sr. coloca a mão no fogo pela campanha dele?

MORO: Acho que esse tipo de pergunta é totalmente inapropriado. Não participei da campanha.

FOLHA: Mas o sr. a defendeu e disse que foi a mais barata.

MORO: Mas foi a mais barata.

FOLHA: Mas caixa dois está nas campanhas baratas por não ter o gasto declarado.

MORO: Mas vocês estão partindo do pressuposto de que houve caixa dois na campanha, é isso que a Folha está afirmando?

FOLHA: Não. A reportagem mostrava que elementos da investigação apontavam a suspeita de caixa dois na campanha. Foi isso que a Folha falou. Se o delegado não quis investigar, é problema da polícia.

MORO: Então vamos fazer o seguinte, encontrem uma declaração de algum órgão policial dizendo que eu interferi em alguma investigação e aí vocês podem fazer pergunta pra mim ou vir me acusar de alguma coisa. A forma como vocês estão colocando é ofensiva esse tipo de pergunta. A conclusão da Folha sobre a investigação foi equivocada. Eu jamais interferi e jamais interferiria em qualquer investigação.

ENCERRO
Você pode tentar adotar, leitor, a tática Moro para encerrar um debate, depois de devidamente derrotado: acuse o interlocutor de ser ofensivo e declare vitória.

Espantoso, sim, mas não surpreendente.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.