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Reinaldo Azevedo

ICMS: lava-jatismo criminaliza o empresariado. Inexiste meio autoritarismo!

Reinaldo Azevedo

18/12/2019 08h27

Muitos dos ditos "liberais" brasileiros estão numa empreitada que, fosse uma teoria, seria realmente única na história, então, do liberalismo. Ocorre que não há aporte teórico ou conceitual nenhum! Trata-se apenas de uma mistura de ignorância, oportunismo e reacionarismo. Em que consiste tal saga? Em tentar construir uma sociedade liberal sob a intervenção do Estado policial. É uma aberração.  Aí, quando os miasmas da sanha autoritária que eles mesmos estimulam chegam à economia e aos negócios, então começa a gritaria. É o que se vê com uma maioria já formada no Supremo — já se contam seis votos — que transforma em crime a inadimplência (NÃO A SONEGAÇÃO!) no pagamento de ICMS.

Roberto Barroso, relator da matéria — hoje o preferindo da extrema-direita — votou em favor da criminalização. Cinco ministros o seguiram: Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Assim, quatro dos seis votos pertencem à banda fanática do lava-jatismo: o próprio Barroso, Fux, Fachin e Cármen, sempre aplaudidos nas ruas.

Pode-se fazer aqui ainda um outro cruzamento: cinco deles (Moraes entra no grupo) disseram ver incompatibilidade entre o Artigo 283 da Código de Processo Penal e o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição. Ambos tratam da execução da pena depois do trânsito em julgado e têm o mesmo conteúdo — com a diferença de que o CPP fala em prisão, e a Constituição, em culpa.

O que estou querendo dizer? Não estou querendo! Estou dizendo! A truculência na área penal e o flagrante desrespeito à Constituição, que hoje contam com o apoio de setores que, no passado, chegaram a se confundir com o liberalismo, acabarão saltando necessariamente para o direito civil e o administrativo e suas ramificações.

Sabem quem abriu a divergência para lembrar que inadimplência não é sonegação nem apropriação indébita? Ora, Gilmar Mendes, não é? Aquele que não tem medo de hordas nas ruas gritando boçalidades. Foi seguido por dois outros que também não são campeões de popularidade: Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.

Não existe autoritarismo grátis. Sempre cobra um preço. Quem já viveu um tantinho sabe que uma das suas características mais claras é nunca contentar-se de contente, como diria Camões. Autoritarismo é como o amor. Quer sempre mais. Sempre está insatisfeito. É provável que sobre ao demonizado Dias Toffoli a tarefa de tentar, de algum modo, modular a decisão. O julgamento será concluído nesta quarta com o seu voto e, antes, o de Celso de Mello.

Para lembrar: o caso que chegou ao STF nasceu em Santa Catarina. Dois empresários reconheceram o débito, mas não recolheram o imposto. Notem que não apelaram a malandragens para disfarçar o que deviam. O Ministério Público do Estado os denunciou com base na Lei 8.137, que especifica e pune crimes contra ordem tributária. As penas podem chegar a cinco anos de prisão.

O juiz de primeira instância descartou o crime — o que não livra os inadimplentes do pagamento. O MPE recorreu, e o Tribunal de Justiça mudou a decisão, condenando a dupla. O STJ referendou a sentença. E o caso foi parar no Supremo.

A decisão do STF vale para esse caso, mas serve de orientação aos juízes do país inteiro. Ou seja: se alguém se torna inadimplente — o que não quer dizer sonegador —, pode ser tratado como criminoso. A propósito: se vale para o ICMS, por que não para todos os outros impostos e taxas?

Há pouco menos de um mês, participei de um evento com um setor importante do empresariado. A quase totalidade — fiz e aposta e acertei antes que se manifestassem — era favorável à prisão depois da condenação sem segunda instância. Nem quis saber quantos ali estavam apenas interessados em ver Lula preso. Parti do princípio de que compartilhavam de um equívoco por motivos moralmente superiores: punir malfeitores.

Lembrei que o Estado brasileiro não pode ter duas instâncias para decisões definitivas: uma para o direito penal — a segunda — e outra para as demais áreas. E alertei para o fato de que todos estavam entrando gostosamente na fila da guilhotina. Tribunais superiores também erram, como vemos. Mas eu não multiplicaria algumas vezes as chances de o erro definitivo acontecer.

Essa questão revela que o Estado empoderado contra o que dispõe até a Constituição vai pedir sempre mais. E noto: a lei a que se apelou para condenar os empresários de Santa Catarina não trata inadimplência como crime. O voto de Barroso — e se trata de uma decisão do Supremo — é largo o bastante para condenar ou não um inadimplente como criminoso. Será, como ele disse, uma avaliação "caso a caso".

Assim, ainda que se aprovasse um projeto de lei definindo que "inadimplência não é crime", o texto seria inútil. O voto vitorioso de Barroso é imune a essa eventual proteção. Segundo disse, o juiz deve diferenciar o devedor contumaz de quem enfrenta uma dificuldade financeira transitória.

Tenho 58 anos. Não ligo que digam que, a exemplo do diabo, sou mais velho do que sábio. A história me diz que quem flerta com um pouco de autoritarismo resolve dormir com o autoritarismo inteiro. É só o primeiro arreganho do Estado empoderado pelos idiotas contra o empresariado. Vem mais.

É o lava-jatismo chegando à área fiscal.

E que se note: a Lava Jato quebrou empresas, sim! Mas trato aqui de outro assunto. Essa crítica é dirigida ao lava-jatismo. "Ah, qual a diferença?" Quem pergunta não merece saber.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.