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Reinaldo Azevedo

Barragens com “alteamento a montante” têm de acabar. Demora? Sim. Ou: Esclarecimento da Vale prova ser pouco o muito que se sabe

Reinaldo Azevedo

28/01/2019 07h28

Daniel Muniz Veloso: tinha 29 anos. Trabalhava numa empresa terceirizada da Vale. Deixa a mulher, grávida de 8 meses

A maioria das barragens de rejeitos no Brasil tem o seu alteamento (elevação para aumentar a capacidade de armazenamento) feito "a montante". Pesquisem a respeito. Vistas de fora, parecem construídas em degraus. É o método mais barato. E também o mais arriscado. É proibido, por exemplo, no Chile e no Peru. O mais caro é mais seguro é o "alteamento a jusante". O alteamento não é feito sobre os resíduos. Do lado de fora, tem-se uma espécie de paredão inclinado. Em comunicado que está na sua página, afirma a Vale:

"A Barragem I da Mina Córrego do Feijão tinha como finalidade a disposição de rejeitos provenientes da produção e ficava situada em Brumadinho (MG). A mesma estava inativa (não recebia rejeitos), não tinha a presença de lago e não existia nenhum outro tipo de atividade operacional em andamento. No momento, encontrava-se em desenvolvimento o projeto de descomissionamento da mesma. A barragem foi construída em 1976, pela Ferteco Mineração (adquirida pela Vale em 27 de Abril de 2001), pelo método de alteamento a montante. A Barragem I possuía Declarações de Condição de Estabilidade emitidas pela empresa TUV SUD do Brasil, empresa internacional especializada em Geotecnia. As Declarações de Condição de Estabilidade foram emitidas em 13/06/18 e em 26/09/18, referentes aos processos de Revisão Periódica de Segurança de Barragens e Inspeção Regular de Segurança de Barragens, respectivamente, conforme determina a portaria DNPM 70.389/2017. A barragem possuía Fator de Segurança de acordo com as boas práticas mundiais e acima da referência da Norma Brasileira. Ambas as declarações de estabilidade mencionadas atestam a segurança física e hidráulica da barragem.

A Barragem passava por inspeções de campo quinzenais, todas reportadas à ANM (Agência Nacional de Mineração) através do SIGBM (Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração). Sendo que a última inspeção cadastrada no sistema da ANM foi executada em 21/12/18. Adicionalmente, a mesma passou por inspeções em 08/01/19 e 22/01/19, com registro no sistema de monitoramento da Vale. O cadastramento da inspeção na ANM, conforme legislação, deve ser executado até o final da quinzena seguinte. Todas estas inspeções não detectaram nenhuma alteração no estado de conservação da estrutura.

A Barragem possuía 94 piezômetros e 41 INAs (Indicador de Nível D´Água) para seu monitoramento. As informações dos instrumentos eram coletadas periodicamente e todos os seus dados analisados pelos geotécnicos responsáveis pela barragem. Dos 94 piezômetros, 46 eram automatizados.

A Barragem possuía PAEBM (Plano de Ações Emergenciais de Barragem de Mineração), conforme determina portaria DNPM 70.389/2017. O mesmo foi protocolado nas Defesas Civis Federal, Estadual e Municipal, entre os meses de junho e setembro de 2018. O PAEBM foi construído com base em um estudo de ruptura hipotética, que definiu a mancha de inundação. Além disso, a barragem possuía sistema de vídeo monitoramento, sistema de alerta através de sirenes (todas testadas) e cadastramento da população à jusante. Também foi realizado o simulado externo de emergência em 16/06/2018, sob coordenação das Defesas Civis, com o total apoio da Vale, e o treinamento interno com os funcionários em 23/10/18.

Diante de todos os pontos descritos acima, estamos ainda buscando respostas para o ocorrido."

Com o esclarecimento, a Vale evidencia que fez o que considerava a seu alcance para garantir a segurança da barragem. E, como vemos, não foi o suficiente. Esse texto parece ser a evidência de que as barragens com alteamento à montante têm de acabar, não? Mas isso levaria tempo. E enquanto não ocorre? É preciso estabelecer a área que seria atingida por um eventual rompimento e promover a sua desocupação. Ou mais gente vai morrer. É simples assim. Parto do princípio de que nem todas as barragens são tão bem monitoradas como esta que estourou — ao menos segundo a vale.

Exagero? Olhem o tamanho da tragédia.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.