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Reinaldo Azevedo

Mourão, chefe de Bolsonaro, diz que uma das causas da violência são as famílias chefiadas por mulheres: 28,6 milhões, segundo o IBGE

Reinaldo Azevedo

18/09/2018 07h50

Na palestra dada no Secovi, Hamílton Mourão, vice de Bolsonaro, resolveu refletir também sobre o problema de segurança pública. E meteu os pés pelas mãos. É certo que a desestruturação de famílias facilita o trabalho do crime organizado. Mas o vice de Bolsonaro se referiu assim à questão:
"A partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais que estamos vivendo. E atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai nem avô. É mãe e avó. E, por isso, torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados e que tendem a ingressar nessas narcoquadrilhas que hoje afetam todo nosso país e em particular as nossas grandes cidades."

Não dá. É inaceitável. O que vocês querem que eu diga? Isto: o número de famílias chefiadas por mulheres mais do que dobrou em uma década e meia. De acordo com estudo elaborado pelos demógrafos Suzana Cavenaghi e José Eustáquio Diniz Alves, coordenado pela Escola Nacional de Seguros, o contingente de lares em que elas tomam as principais decisões saltou de 14,1 milhões, em 2001, para 28,9 milhões em 2015 — avanço de 105%.

Querem outra fonte de dados? Pois não! De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), dos 69,2 milhões de lares brasileiros, 40,5 milhões eram comandados por homens em 2016, queda de 2,37% em relação ao ano anterior, quando pessoas do sexo masculino comandavam 41,5 milhões de lares. Na contramão, os lares chefiados por mulheres vêm crescendo desde 2012: no ano passado, esse grupo chegou a 28,6 milhões de lares, alta de 9,25% em relação ao ano anterior, quando eram 26,25 milhões de famílias.

O general não dispõe de nenhuma evidência, a não ser o preconceito puro e simples, que indique que a criminalidade se deva à ausência de pai e avô, ainda que se possa supor que um casal possa cuidar de uma criança com mais facilidade do que uma pessoa sozinha, já que os esforços podem ser divididos. Uma família chefiada por mulher supõe ao menos duas pessoas: estamos falando, no mínimo, de 52,5 milhões de brasileiros — um quarto da população. O número, por óbvio, é muito maior do que isso.

Volto à tese inicial. A perversão da verdade é a pior forma de mentira. A chamada diplomacia "Sul-Sul" do governo petista foi certamente um erro, mas um líder político de um país que disputa um lugar no concerto internacional não se refere a outras nações como mulambada. A desestruturação das famílias é um fator importante na expansão da criminalidade, mas não se colocam sob suspeição 26,25 milhões de famílias quando não se têm nem evidências nem estudos de que a criminalidade esteja ligada a lares chefiados por mulheres.

Alguém com má vontade com os militares diria que papo de caserna não combina mesmo com política. Não é o meu caso. Não tenho preconceito nenhum. O Exército brasileiro oferece a seus oficiais uma excelente formação. O problema é que o general Mourão, que já se coloca como o verdadeiro candidato à Presidência em lugar de Bolsonaro, decidiu ser um pensador independente, um livre atirador. Acha, por exemplo, que parte dos problemas brasileiros se deve à miscigenação, com destaque para a indolência do índio e a malandragem do negro; não vê por que uma Constituição tenha de ser feita por pessoas eleitas; chama a África e países da América Latina de "mulambada" e atribui à ausência do homem no comando das famílias a expansão do narcotráfico.

Isso não é papo de caserna. Isso é conversa de boteco em que se bebe mal.

O general poderia ter consertado a besteira dita por Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas e pronto.

Acontece que ele tem as suas próprias asneiras a dizer. E, como é, afinal, do topo da cadeia de comando, ainda que na reserva, as suas tolices aspiram a uma forma de pensamento.

A que ponto chegamos!

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.