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Reinaldo Azevedo

Jumentice 1: O STF não está ajudando Andrea. Ou: Barroso ainda não entendeu a lei

Reinaldo Azevedo

20/06/2017 23h13

Ah, ás vezes, as redes sociais chegam a ser divertidas. É tanta bobagem circulando que fica impossível segurar o riso. E o que acho especialmente engraçado? Os mais ignorantes são os mais convictos. E não é raro que a burrice venha travestida de jornalismo. Tem aquele jeitão, assim, sabem como é? Mais ou menos como um chimpanzé está muito perto de um ser humano: uns 95% de semelhança genética… Hoje, os símios usam computadores e câmeras com impressionante destreza.

E não só! E quando você vê a besteira ornada pela toga, a exemplo do quase sempre notável e notório Roberto Barroso? Bem, aí é preciso verificar se a marcha da involução já não começou. Vamos lá.

Como sabem, por 3 votos a 2, a Primeira Turma do Supremo negou, no último dia 13, habeas corpus a Andrea Neves, a Frederico Pacheco de Medeiros (seu primo) e a Mendherson Souza Lima (ex-assessor do senador Zezé Perrella (PTB-MG). Os três são acusados de corrupção passiva (Artigo 317 do Código Penal). mas na modalidade "concurso de pessoas", já que não são funcionários públicos. Eles participaram de atos que resultaram na transferência de R$ 2 milhões da J&F para Aécio. O Ministério Público Federal e o açougueiro de instituições, Joesley Batista, dizem ser propina.

Marco Aurélio, o relator, era contra a preventiva e foi seguido por Alexandre de Moraes. Mas Barroso iniciou a divergência e acabou contando com as adesões de Rosa Weber e Luiz Fux. A defesa de Mendherson recorreu a um agravo regimental, e os cinco ministros tiveram de se debruçar de novo sobre a questão.

O relator, que já era contra a prisão, manteve seu voto. O mesmo fez Moraes. Fux, no entanto, que havia votado no dia13 em favor da prisão preventiva para os três, prevista no Artigo 312 do Código Penal, resolveu substituir a imposição por medidas cautelares: a prisão domiciliar é uma delas. Estão previstas no Artigo 319 do mesmo código.

Ao justificar que Mendherson não precisava ficar trancafiado, Fux lembrou duas coisas. A PF e o MPF já dispunham do que consideram "elementos probatórios". Logo, os investigados não tinham como interferir na instrução criminal. Se isso valia para ele, também valia para os outros. O ministro ainda esgrimiu um outro argumento, segundo informa o site do STF: "A prisão domiciliar foi implementada por sugestão do ministro Luiz Fux, que observou a existência de um paradoxo no caso, pois, enquanto o senador Aécio Neves, apontado pelo MPF como autor principal do suposto delito, está solto, os partícipes — que, embora tivessem domínio funcional de alguns fatos e executassem tarefas sem as quais a conduta criminosa não se concretizaria, estão presos". Isso é uma declaração antecipada do voto que dará no caso de Aécio? Não sei. Aquele caso é bem mais complexo. E haverá um texto específico.

É preciso que se note uma coisa: Fux não mudou de ideia. Ele apenas está escolhendo as medidas cautelares, que só podem ser aplicadas no caso de a prisão estar em curso, preventiva ou já depois da condenação. O absurdo, em essência, permanece.

E Barrosão, hein?
Quem se mostra mesmo incurável na área penal é o ministro Roberto Barroso, aquele que já deixou claro até em livro não entender patavinas do assunto. Disse o doutor:
"Não há nenhuma dúvida quanto à materialidade e quanto à autoria, e não há dúvida de que o agravante [Mendherson] participou ativamente tanto do recebimento como da lavagem do dinheiro. Todo o mundo viu o recebimento do dinheiro".

Bem, é triste o que vou dizer, mas vou dizer: o trio não é acusado de lavagem de dinheiro. Mais: é preciso que a gente lembre o que diz o caput do Artigo 312 do Código de Processo Penal:
"Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)."

Alguém precisa dar uma aula da Escolinha do Professor Raimundo do Direito Penal a este senhor. Ou treiná-lo em interpretação de texto: a simples prova da existência do crime e o indício suficiente de autoria não rendem preventiva por si. Essas são as condições em que ela pode ser decretada desde que o acusado ou investigado incida em ao menos uma de quatro possibilidades:
a: risco á ordem pública;
b: risco á ordem econômica;
d: risco à instrução criminal;
e: risco de não-cumprimento da lei penal (fuga).

Ou por outra: aquilo que é uma garantia a mais — não basta a simples suspeita para alegar um desses quatro motivos; é preciso ter prova e indício de autoria —, Barroso transforma em garantia de menos. Ou ainda: por não ler direito o texto, e não estou certo se é incapacidade ou cálculo, ele inventou dois outros motivos para prender alguém preventivamente.

"Ué, Reinaldo, mas a prova do crime e indício suficiente de autoria não devem levar as pessoas para a cadeia?" Se o crime previr tal pena, sim. Mas depois do julgamento. Se Barroso não gosta da lei, ele que largue a toga, suba num palanque e dispute eleição.

E noto para encerrar: ao votar pela manutenção da prisão de Andrea Neves, há uma semana, o doutor citou suposta conversa telefônica da irmã de Aécio com joesley em que esta sugeriria o mesmo mecanismo empregado em 2014 para mascarar o recebimento de R$ 60 milhões.

Bem, essa gravação nunca veio à luz. Isso é relato da delação premiada de Joesley.

Fazer o quê, né? Se os autos contrariam a opinião do juiz, basta manda-los ás favas.

*
Ainda vou escrever:
"Jumentice 2: O STF não está ajudando o senador Aécio Neves; é só a lei sendo exercida"
e
"Jumentice 3: o ministro Fachin não está ajudando Lula; Moro não é mesmo juiz dos casos

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.