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Desconstruindo Janot de novo, o procurador-geral das esquerdas e do PT. Ou: Entrevista aloprada

Reinaldo Azevedo

07/08/2017 23h03

Em entrevista à Rádio Gaúcha, nesta segunda, o ministro Gilmar Mendes, do STF, também presidente do TSE, afirmou que Rodrigo Janot é "o procurador-geral mais desqualificado que já passou pela história da Procuradoria". Disse ainda que ele não tem "nem preparo jurídico nem emocional para dirigir algum órgão dessa importância". Ainda abordarei a questão num post específico. O que eu penso sobre o episódio? Preferiria que não tivesse acontecido. Na verdade, preferiria que não fosse necessário. Infelizmente, é. Gilmar já havia feito uma radiografia bastante preocupante sobre os desvios do MPF e a conivência do STF com desmandos. Os vídeos com essa intervenção estão aqui e aqui. A intervenção do ministro nesta segunda se segue à publicação da estupefaciente entrevista de Janot à Folha.

A seriedade do procurador já se denuncia nas duas primeiras perguntas e respectivas respostas, que transcrevo:

Folha – Os bambus acabaram? Ainda restam flechas?
Rodrigo Janot – Restam flechas. A gente não faz uma investigação querendo prazo e pessoas. As investigações vão ficando maduras até que se possa chegar ao final. E várias estão bem no finalzinho. Eu diria que tem flecha.
Quais são?
A surpresa você vai deixar para mim, né?

É evidente que se trata de uma ameaça. Isso, com efeito, é inédito na história da PGR e, quero crer, dos Ministérios Públicos, ou órgãos correspondentes, em todo o mundo. Um procurador não faz advertências, não apela a metáforas, não se coloca como o outro polo em relação ao chefe do Executivo. Mais: notem o tom, quase de pilhéria.  Janot ainda não se deu conta do que esse troço significa para os brasileiros.

Talvez tenha escapado a muitos leitores, mas Janot admite não ter a prova contra o presidente e reproduz a operação mental que fez para apresentar a denúncia, a saber:

A denúncia descreve roteiro plausível de crime de corrupção, mas não aponta que a mala de R$ 500 mil recebida por Loures da JBS foi para Temer. O sr. acha que a falta dessa ligação ajudou a segurar a denúncia?
Temos de entender que o crime de corrupção não precisa de você receber o dinheiro, é aceitar ou designar a proposta. Receber o dinheiro é a chapada do crime de corrupção. Se a gente não vive um país de carochinha, uma pessoa que designa um laranja para acertar acordo ilícito, que acerta a propina e recebe a mala, vou exigir que a pessoa que designou o laranja receba pessoalmente o dinheiro? Jamais alguém vai comprovar
.

Observaram? Janot denunciou Temer porque inferiu que o Rodrigo Loures é seu "laranja". Ora, se é, então isso tem de ficar evidenciado na denúncia. E, obviamente, não ficou. Aí o procurador dá o triplo salto carpado argumentativo: a melhor prova de que Temer é culpado está no fato de que não há provas. Afinal, isso é próprio desse tipo de crime. O jornal então aborda o óbvio: existe a chance de Loures ter tentado o acordo com a J&F, mas sem o conhecimento de Temer. E o procurador manda ver:

Mas existe a possibilidade de o Loures ter feito o acordo sem que o presidente soubesse, não?
É admitido como possibilidade, vamos ouvir o Loures. Ele é designado como o meu (Temer) homem de confiança para tratar por mim todos os assuntos, trata a corrupção e depois a recebe. Se isso acontecesse com qualquer pessoa, acho muito difícil qualquer um de nós ter um outro juízo que não fosse "esse sujeito que foi designado como laranja recebeu o dinheiro para aquela pessoa". Como é que eu, de antemão, vou separar isso? Não tem como. Nesse caso específico, tínhamos réu preso. Em se tratando disso, o inquérito tem que ser concluído em dez dias e a denúncia tem que ser oferecida em cinco
.

Que evidência, além de nenhuma, tem o procurador-geral de que Loures era o braço do presidente para "tratar da corrupção"? Mas ele acha que sim e apela ao senso comum: "Acho muito difícil qualquer um de nós ter um outro juízo". ENTENDERAM? O direito penal à moda Janot se baseia não em provas, mas no "só pode ser". Ou ainda: "Se é isso o que a maioria pensaria, então é…" E lhe parece razoável que, assim, um presidente seja deposto — porque resta evidente ser essa a sua intenção.

E então se segue o inimaginável. Os jornalistas da Folha abordam a pressa com que se fez a denúncia contra o presidente. Leiam:

Mas é consequência de a PGR ter pedido a prisão. Se não pedisse, haveria mais tempo para investigar.
E deixo que o crime continue sendo praticado? Na esperança de que esse dinheiro vá chegar às mãos do presidente? Não somos ingênuos. Vocês acreditam que essa mala chegaria às mãos do presidente? Que o Loures entregaria a mala? "Olha, presidente, vim trazer a sua malinha." O dinheiro seria repassado de outra forma. Todas as investigações que fizemos mostram que uma organização criminosa atua de maneira profissional, não infantil
.

É um espanto. Operações controladas, segundo a lei 12.850, consistem justamente no retardamento do flagrante, se isso se mostrar necessário, em benefício da investigação. O que fez o ínclito procurador? Com sua, como direi?, ânsia penal-leninista, resolveu acelerar a história. Ora, ora, ora… Qualquer pessoa com um mínimo de rigor veria, mesmo do caso de Loures, um flagrante armado. Então se usa o fato de haver uma prisão decretada para concluir o inquérito em 10 dias e de oferecer a denúncia contra o presidente, ainda que o nexo entre o chefe do Executivo e o preso, no que diz respeito ao crime, seja mera operação mental, mero achismo, mero exercício de lógica pedestre?

Espantoso
São muitos os momentos espantosos. Essa entrevista de Janot merece um manual sobre o que não fazer. Mas peço que restem atenção a esta outra sequência:

O sr. disse que soube da gravação de Joesley no Jaburu depois que ela ocorreu. É difícil acreditar nisso…
Eu não sou mentiroso, vamos começar por aí.
Por que ele faria isso da cabeça dele sem saber se vocês aceitariam? Ele não correu um risco?
Vocês acreditariam se alguém dissesse "peguei o presidente da República com a boca na botija"? Aí você diz assim: "E qual a prova que você tem?" "Nenhuma, eu ouvi o cara falar." Você acha que eu assumiria o risco de induzir uma prova ilícita que eu não pudesse usar depois? É maluquice completa. Eu nunca conversei com ele antes disso
.

Pois é… Os entrevistadores da Folha vocalizaram o que está em todo canto. Ninguém acredita que Joesley tenha gravado a conversa por iniciativa própria, sem contato prévio com a Procuradoria Geral da República. Até porque a Folha se esquece de citar uma reportagem sua. Quinze dias antes de o açougueiro de instituições gravar o presidente, um advogado seu esteve com um auxiliar de Janot e com uma delegada da PF para ter uma aula sobre… delação.  Mas sigamos.

Então Joesley não era do tipo de bandido — hoje, claro, ex-bandido — que saía comprando todo mundo por aí, certo?, e oferecendo malas de dinheiro. Nada disso! Era um patriota que havia flagrado "o presidente com a boca na botija"… Inteligente, Joesley sabia que esse exercício patriótico requereria uma "prova"… Então foi colhê-la. E a tal prova consegue, final, provar alguma coisa? Resposta: não!

E onde pode sair a flecha de Janot. Ele dá uma pista aqui:

Falamos de ambos porque Cunha e Funaro estão ligados ao diálogo do Jaburu [gravado por Joesley Batista] e são personagens do inquérito do "quadrilhão".
Sobre colaborações em curso não posso falar. Não posso nem reconhecer que esse cidadão está em colaboração com a Procuradoria, a lei me impõe sigilo sobre o assunto.
O sr. não fala sobre negociações em sigilo, mas o que uma figura como Cunha teria que entregar para conseguir fazer um acordo com vocês?
Um dos critérios é o seguinte: o cara está neste nível aqui [faz um sinal com uma mão parada no ar], ele tem que entregar gente do andar para cima [mostra um nível acima com a outra mão]. Não adianta ele virar para baixo, não me interessa
.

A resposta parece ser bem eloquente, sem dúvida: se Cunha quiser se livrar, só lhe resta acusar o presidente da República.

E sobre os benefícios indecorosos concedidos a Joesley e sua turma? Bem, Janot acha que houve apenas um probleminha de comunicação… Claro, claro! O prêmio, segundo a sua lógica, era grande o bastante, né? Ninguém menos do que o presidente. Como se nota, a primeira investida, que já veio acompanhada de um primeiro aparato midiático, frustrou-se. Mas o doutor não desistir. Nunca antes alguém teve tão poucas provas, não é? Mas ele compensa essa deficiência com a convicção.

Queda de Temer? Bem, ela interessa hoje ás esquerdas, ao PT em particular, e à extrema-direita. Uma coisa, certamente, Janot não é: procurador-geral de Jair Bolsonaro. Não o sendo, cumpre constatar: comporta-se como procurador-geral do PT.

Ah, claro! Janot também deixou claro que pretende ser uma espécie de ombudsman de Raquel Dodge, que vai sucedê-lo. Olhem que mimo:

O sr. costuma falar em divergência de procedimentos com a dra. Dodge. Quais são essas divergências?

Eu tenho facilidade para delegar, porque se não conseguir, não consigo marchar para a frente. E, pelo que conheço dela, não tem essa facilidade de delegar, é uma pessoa que concentra mais. Isso não é erro. Tenho uma maneira de trabalhar, ela tem outra. Não me preocupo de ela mexer ou alterar (investigações em curso). De ela engavetar me preocupo, sim. Se pretender engavetar, é lógico que vou me preocupar. Não acredito nisso.

 

 

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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