STF pode definir hoje data de ADCs; reduzir o tema a Lula é vigarice; favoráveis à prisão depois da segunda instância querem votar
Reinaldo Azevedo
21/03/2018 06h00
Antes que continue, uma nota: sempre que vocês lerem que o Supremo poder "mudar o seu entendimento" — com a variante "rever" — sobre o tema, vocês estão diante de uma mentira. Resta apenas saber se aquele que a espalha o faz por dolo ideológico ou ignorância. Quando o tribunal arbitrar sobre o mérito da prisão depois da condenação em segunda instância, no âmbito de ações dotadas de efeito vinculante, segundo dispõe o Parágrafo 2º do Artigo 102 da Constituição, aí, sim, estará definindo um "entendimento".
"Isso é uma opinião, Reinaldo?" Não! Isso é um fato. Tão certo como é amarela a caixa da Maizena desde que a sua bisavó fazia mingau para o seu avô. Se o tribunal já tivesse "a visão" a respeito, ministros do próprio Supremo não tomariam decisões díspares na concessão de liminares. Em 2016, julgou-se um ARE (Recurso Extraordinário com Agravo), que tem repercussão geral — orienta a jurisprudência —, mas não vincula tribunais e juízes à maioria formada. Naquele caso, deu-se um seis a cinco a favor da execução provisória da pena, vale dizer: passou-se a permitir a prisão depois da condenação em segunda instância.
Nesta quarta, há uma boa possibilidade de Marco Aurélio ou Celso de Mello suscitar — ou suscitarem, já que podem fazê-lo em conjunto — uma questão de ordem para que Cármen Lúcia, presidente do Tribunal, cumpra a sua obrigação e paute o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade que estão prontas para votação desde dezembro. Marco Aurélio poderia fazê-lo porque é o relator dos casos; Celso de Mello, porque é o decano do Supremo.
Quando vocês lerem e ouvirem por aí que se trataria de uma manobra para ajudar Lula, saibam: é "fake news", é opinionismo pautado por ideologia ou por interesse. Como lembram os dois ministros, trata-se de matéria urgente porque, não havendo uma decisão de mérito do tribunal, cada ministro está virando literalmente uma sentença sobre questão que está na Constituição (Inciso LVII do Artigo 5º) e sobre a qual há aquela votação de 2016, que não obriga ninguém a nada.
Assim, meus caros, tem-se o pior dos mundos, que é o da loteria: quem der sorte e tiver como relator de seu habeas corpus um ministro contrário à execução provisória da pena, bem, essa pessoa sabe que terá mais chances de ter ao menos retardada a sua prisão; quem não der e cair na mão de um magistrado favorável, paciência. Ora, esse é o caminho da bagunça. E o que vai mesmo na Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o a trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
É um despropósito que o tribunal constitucional do país esteja sujeito a essas injunções. Sim, como constata um editorial do jornal "O Globo", Cármen Lúcia está submetida a pressões. Como a exercida, por exemplo, por "O Globo". E fica aqui o desafio para que o jornal evidencie que a votação do ARE de 2016 subordina juízes e tribunais à maioria, então, formada. Não será aceito — e não o será não só em razão da eventual irrelevância do desafiante. É que nem mesmo as Organizações Globo, que podem tanto, conseguem provar a quadratura do círculo. Até agora, há teoria alternativa apenas para o encontro das paralelas…
Celso de Mello foi submetido à execração pública por opinadores e opinadoras que não sabem fazer o "O" com o copo por ter proposto a Cármen uma reunião com os demais ministros para que se definisse a data de votação das ADCs, o que a ministra já deveria ter feito por conta própria. Ela concordou, não marcou a reunião e ainda entregou o colega à fúria dos habitantes do bueiro do capeta, que passaram a acusá-lo de tentar ajudar Lula.
E por que se acusa a suposta "ajuda"? Porque há certa desconfiança de que, ao julgar as ADCs, pelo menos seis ministros votem que se faz necessário, para atender ao que dispõe a Constituição, que haja ao menos a condenação pelo STJ — terceira instância. Isso retardaria a prisão de Lula. Mas insisto: as questões precedem em muito o caso do petista.
Cármen se negou até agora a tratar da questão com os ministros, embora já tenha falado sobre o assunto com a imprensa mais de uma vez. E aproveitou, em todas elas, para demonizar os votos contrários ao seu, numa clara tentativa de constranger seus colegas de tribunal. Nesta quarta, há uma possibilidade de que se defina a data de votação das ADCs.
Se o que se vazou por aí corresponder à realidade, o TRF-4 pode dar a resposta aos embargos de declaração impetrados pela defesa de Lula até o fim do mês. Seria uma rapidez inédita, como inédito é uma presidente do Supremo se negar a pautar matérias com tal importância, prontas para votação, porque ela desconfia de que não gostará do resultado.
Ainda que o tribunal cumpra a lei e paute a votação, isso pode se dar apenas em abril, e há um esforço, nota-se, para prender Lula ainda em março. Cármen, que está se transformando numa malvada de manual com seus colegas, talvez considere que ministros ficarão constrangidos diante do fato consumado.
O que eu penso? Penso o que sempre pensei sobre prisão após condenação em segunda instância: se forem perguntar o meu gosto, direi "sim". Ocorre que a Constituição diz "não". Há quem a interprete de outro modo também no Supremo, embora o texto seja claro a mais não poder. Por isso mesmo se faz necessário que o tribunal tome uma decisão à qual se subordinarão todos os entes e juízes quando confrontados com o caso.
Só gente mentirosa, sem vergonha na cara mesmo, tenta subordinar esse debate a Lula. Ele estaria dado de qualquer modo. De resto, Cármen já não consegue esconder nem de si mesma que, não fosse o "fator Lula" (ou tivesse ela a certeza de que o resultado seria do seu gosto), e a questão já teria ido a voto.
De um agente do Estado, espero apenas que cumpra a lei. Nada mais.
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.