Comandante do Exército publica frases infelizes no Twitter. Mas diz que a Força respeita a Constituição. Para mim, basta!
Reinaldo Azevedo
03/04/2018 23h46
"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?"
"Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais."
E não por aquilo que vai nas ditas-cujas. Não há nada demais ali. Mas existem as palavras, com seu sentido de dicionário, e o contexto. No dia em que protestos se espalham país afora contra a concessão do habeas corpus para Lula e também a favor; na exata véspera da decisão do Supremo, uma leitura se torna óbvia e fatal, para a satisfação de muitos:
"Ou o Supremo nega o habeas corpus ao ex-presidente ou haverá intervenção militar".
Basta ver as mensagens de apoio que se seguiram, além de alguns protestos. A maioria não defende a lei e a ordem. Pede mesmo é que os senhores fardados coloquem os políticos para correr.
O general Paulo Chagas, da Reserva, por exemplo, que costuma escrever textos exaltando o Golpe de 1964 e que se mostrou um entusiasta do protesto contra o habeas corpus havido nesta terça, resolveu fazer poesia, do gênero "lirismo castrense". Respondeu assim:
"Caro comandante, amigo e líder, receba a minha respeitosa continência. Tenho espada ao lado, sela equipada e cavalo trabalhado. E aguardo as suas ordens".
É do gênero "lirismo castrense" e do subgênero "cavalaria".
Vamos lá: a primeira mensagem não tem leitura virtuosa. Parece a fala de um lava-jatista de farda. Subentende-se que quase ninguém pensa no Brasil, com a provável exceção dos patriotas — por definição. E, por óbvio, entre estes, perfilam-se os militares. É um texto imprudente porque vazado na forma de um desabafo, meio vago.
Vai aqui uma frase para a posteridade: quem tem canhão e tanque não pode desabafar. A não ser no ambiente doméstico. Ou fica parecendo ameaça.
Já a segunda mensagem é tranquilizadora. Vamos por partes:
1: o Exército repudia a impunidade.
Comento: excelente! Nem poderia ser diferente. Imagine uma Força Armada a dizer o contrário.
2: o Exército respeita a Constituição.
Comento: perfeito! Na Carta, está escrito o seguinte:
"Art. 142: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Assim:
– a autoridade suprema nas Forças Armadas é o presidente Michel Temer. Não consta que queira dar um golpe:
– militares são regidos por hierarquia e disciplina;
– sua função é garantir os Poderes Constitucionais; logo, combatem tentações golpistas se preciso;
– mesmo para atuar na garantia da lei e da ordem, é preciso que um dos Poderes faça o pedido — mas a autoridade Suprema segue sendo a do presidente.
Assim, um Exército que, diz o general, segue "atento às suas missões institucionais" certamente garantirá os valores da Constituição. A propósito: esse mesmo Exército é, então, um dos guardiões, mas não "o" guardião também do Artigo 5º, que contém o Inciso LVII:
"Ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Ao Supremo, não aos militares, caberá a leitura desse primado. Nesta terça, a questão será aplicada em espécie num simples habeas corpus. Depois é preciso votar as Ações Declaratórias de Constitucionalidade.
Eu nem vou preparar cavalo, sela e espada porque o general está dizendo que a função constitucional da Força que ele comanda é garantir a independência dos Poderes, o que inclui o Judiciário. E os soldados não ditam pauta e não votam.
Nem devem fazê-lo. Até porque, numa democracia, as Forças Armadas não cercam a corte suprema nem com tanques nem com palavras.
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.