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Decisão pode ser marco da ingovernabilidade e tem de valer para todos; Barroso é o grande líder do estupro de Jovem Senhora de 30 anos

Reinaldo Azevedo

03/05/2018 05h48

Sei que não parece. Aliás, tem-se a impressão do contrário. O fato é que a restrição do foro especial para deputados e senadores traz em si o gérmen da ingovernabilidade. Vou, como sempre, explicar o que quero dizer. Até porque vamos convir: se vale para eles a quase extinção do foro especial, por que não para as outras mais de 59 mil pessoas da República? Vamos ver.

Já está certo, como se sabe, que uma maioria de oito ministros decidiu violar o Artigo 102 da Constituição Federal, que garante que deputados e senadores, desde a diplomação, só podem ser processados e julgados pelo Supremo. Os parlamentares federais só terão foro nesse tribunal, isto já está certo, para os crimes cometidos durante o mandato. O que aconteceu antes fica na primeira instância na Justiça Estadual ou Federal. Concordam com isso todos os ministros, exceção feita a Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

A ideia de violar a Constituição foi de Roberto Barroso. Sete outros concordaram com o estupro coletivo desta jovem senhora que completa 30 anos neste 2018: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Repito constantemente os respectivos nomes porque aqui também se faz um pouco de história, certo?

O voto de Barroso, como se sabe, também prevê que, para ter foro no Supremo, os crimes imputados a deputados e senadores tenham de ter relação com o mandato. Nesse particular, Moraes divergiu. Por pragmatismo, sabendo que já estavam vencidos, Toffoli e Lewandowski aderiram a esse voto, deixando claras suas respectivas posições de princípio. Gilmar Mendes vota hoje. Há uma possibilidade de que dois outros ministros mudem sua posição quanto a esse particular. Se assim for, o resumo da ópera será o seguinte: os parlamentares federais serão processados e julgados pelo Supremo só no caso de imputações criminais referentes ao período do mandato, pouco importando a natureza do crime.

Tão logo a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, promulgue o resultado, começa a contagem regressiva para a extinção de todo e qualquer foro especial. Ou se estará diante de uma perseguição insuportável — ou, então, de privilégio inaceitável. Se, como diz o ministro Roberto Barroso, e o argumento convenceu os demais da correção do estupro coletivo da Carta, o foro protege a função, mas não a pessoa — e, pois, não faz sentido mantê-lo para crimes fora do exercício do mandato — o mesmo há que se aplicar automaticamente a todos os cargos que dispõem de foro especial, incluindo os mais de 16 mil juízes estaduais, os cerca de 2.300 juízes federais, os desembargadores estaduais e federais, os deputados estaduais — com foro especial garantido pelas Constituições dos Estados —, os comandantes das Forças Armadas, os próprios ministros dos tribunais superiores, os membros dos tribunais de contas e seguimos por aí.

Sim, Barroso levou a questão ao plenário por intermédio de uma ridícula Questão de Ordem, que tem um caráter de mero disciplinamento de procedimentos; nunca foi usada para interpretar a Constituição. Até porque não há lá o que interpretar. A garantia de foro para as mais diversas funções é clara e explicita nos Artigos 29, 96, 102, 105 e 108 da Constituição. Ocorre que outros sete decidiram se comportar como hooligans do constitucionalismo. E falaram: "Ah, vamos nessa! A Constituição está dando mole. Vamos barbarizar" E o fizeram.

Ocorre que a questão de ordem tratou de matéria constitucional. Quando menos, o fim do foro especial há de ser proclamado, vamos dizer, de ofício, se decência restar no tribunal, para todas as outras funções para crimes "anteriores ao exercício do cargo" ou, a depender do resultado, que "não guardem relação com a função". Se o tribunal não tomar essa iniciativa, que alguém proponha, então, uma questão de ordem, ora. A menos que o tribunal constitucional queira ser reconhecido como aquele que existe para usurpar poderes do Legislativo. O que vai ser?

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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