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STF concede habeas corpus a Richa e demais presos; a Justiça um dia arbitrará inocência ou culpa; as prisões não passavam de aberrações

Reinaldo Azevedo

15/09/2018 10h25

Beto Richa concede entrevista, depois de ser beneficiado por habeas corpus concedido pelo Supremo (Foto: Denis Ferreira Netto/Estadão)

As pessoas que ainda não perderam o juízo — e que não se deixaram seduzir pelo estado policial que se tenta implantar no país sob o pretexto de combater a corrupção — torcem para que passe esse tempo de fúria obscurantista e para que os órgãos encarregados de investigar e de punir os malfeitos redescubram o caminho do devido processo legal. Enquanto isso não acontecer, assistiremos a coisas grotescas como a prisão temporária de Beto Richa, ex-governador do Paraná, e de mais 14 pessoas — incluindo sua mulher, Fernanda —, determinada pela Justiça Estadual, depois de uma operação conjunta entre Ministério Público do Estado e Ministério Público Federal.

Notem: não estou aqui, porque não disponho de elementos para isso, asseverando a inocência dos investigados. Aliás, os que asseguram a culpa, na imprensa e fora dela, também não dispõem de dados. O meu ponto é outro: a prisão, desde o princípio, era uma agressão clara à lei, além de deixar um rastro de suspeita de vinculação com a disputa eleitoral no Estado. Dadas as alegações para a medida extrema, qualquer investigado pode ir para a cadeia a depender da veneta do promotor ou procurador que a solicitar e do juiz a quem couber a decisão. E que se danem os fundamentos legais. Não é isso o que se está pedindo hoje em dia?

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, concedeu habeas corpus a Richa, que chegou a ter a prisão convertida em preventiva, e aos demais. A íntegra da decisão está aquiSe o Brasil der sorte e tiver um futuro virtuoso — já que um futuro qualquer é certo, inclusive o danoso; países não fecham as portas —, ela haverá de ser estudada nos cursos de direito como exemplo do resgate da lei contra o puro e simples arbítrio.

As acusações que pesam contra os investigados dizem respeito a supostos fatos ocorridos entre 2010 e 2013 — há cinco anos! Afirmar que se se faz necessária a prisão temporária dos investigados para "garantir a isenção dos testemunhos colhidos, impedindo ou minorando a influência dos investigados sobre as testemunhas que serão ouvidas" e para preservar "a vasta gama de elementos de prova a serem colhidos e analisados" é uma aberração, mas que se tornou normal, vamos convir, coma a Operação Lava Jato. Ora, é claro que o procedimento haveria de se banalizar. E, se querem saber, estamos apenas no começo da agressão em cascata à ordem legal e aos direitos individuais. Alguns dos arautos do terrorismo fascistoide em curso só terão tempo de se arrepender da estupidez que incentivam quando forem vítimas de sua própria concepção de mundo.

Venham cá: se Richa e os demais quisessem dar sumiço a provas, já não teriam tido tempo para fazê-lo? Se quisessem constranger testemunhas, os cinco anos desde a cessação, então, dos supostos atos criminosos não teriam constituído tempo suficiente? Mais: claramente se usou a prisão temporária, numa afronta direta ao Supremo, como medida alternativa à inconstitucional "condução coercitiva". Trata-se do "Partido da Polícia" a exibir, mais uma vez, as suas garras.

Escreve o ministro Gilmar Mendes:
"(…) a ausência de fatos recentes evidencia que o risco de que o requerente e os demais investigados possam atrapalhar as investigações é meramente retórico, genérico e conjectural. Em relação a esse ponto, o próprio Juízo Estadual reconhece que a organização criminosa investigada durante a operação estava vinculada ao exercício das funções de Governador do Estado por parte do requerente, funções que ele não ocupa mais, para, logo em seguida, simplesmente pressupor, sem base em qualquer elemento concreto, a manutenção da influência dessa organização no Poder Executivo Estadual.

Veja-se o seguinte trecho da decisão: 'É inegável que entre os investigados há pessoas que gozam de elevado poder político ou econômico. A própria estrutura da organização criminosa estava intrinsicamente ligada ao alto escalão do Poder Executivo do Estado do Paraná, que mesmo após a mudança de governo conserva sua influência e poder'."

Antecipação de pena
Vocês entenderam o ponto? Decreta-se a prisão provisória do investigado, seja temporária ou preventivamente, apontado como causa o seu "poder político ou econômico", pouco importando se existem as causas previstas em lei para justificar a reclusão. A ser assim, todo "poderoso" tem de ser, de saída, encarcerado para que se garanta, então, a investigação, reavivando, notou Mendes, a "prisão para averiguação", um dos brocados da ditadura.

Venham cá: ocorre a vocês que também os que acusam Beto Richa e os demais são pessoas poderosas e influentes? Ocorre a vocês que o ex-governador é candidato ao Senado pelo Paraná, estando em segundo lugar nas pesquisas — e dois serão os eleitos neste ano? Ocorre a vocês que a clara agressão à lei — UMA VEZ QUE NEM MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL NEM JUIZ APONTARAM ATOS CONCRETOS DOS INVESTIGADOS PARA OBSTRUIR O TRABALHO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA JUTIÇA — também pode ter um objetivo eleitoral?

Escreve o ministro:
"Destaco ainda que, no caso em análise, houve a violação não apenas da liberdade de locomoção, mas também há indicativos de que tal prisão tem fundo político, com reflexos sobre o próprio sistema democrático e a regularidade das eleições que se avizinham, na medida em que o postulante é candidato ao Senado Federal pelo estado do Paraná, sendo que sua prisão às vésperas da eleição, por investigação preliminar e destituída de qualquer fundamento, impacta substancialmente o resultado do pleito e influencia a opinião pública. Não é demais relembrar os efeitos da estigmatização ou do labelling social que estão atrelados ao processo penal e, de forma mais acentuada, aos casos de prisão.
Por esse motivo, entendo que faltou prudência aos agentes públicos envolvidos ao decretarem a prisão de um candidato em virtude de fatos antigos e sem a devida justificação da medida. Abre-se uma porta perigosa e caminha-se por uma trilha tortuosa quando se permite a prisão arbitrária de pessoas sem a observância das normas legais e a indicação de fundamentos concretos que possibilitem o exercício do direito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, com todos os meios e recursos disponíveis (art. 5º, LIV e LV, da CF/88)
."

Com propriedade, lembra o ministro:
"Cito, a título de exemplo, os Habeas Corpus nº 42.108 e 41.926, sustentados com altivez por Heráclito Fontoura, Sobral Pinto e Antônio de Brito Alves, nos quais se pretendia afastar o cerceamento da liberdade de locomoção e permitir o exercício de direitos políticos em face de ameaças praticadas pelo governo militar contra os Governadores Mauro Borges, de Goiás, e Miguel Arraes, de Pernambuco, ameaçados de impeachmant, prisão e julgamento pela Justiça Militar, por supostos atos subversivos atentatórios à segurança nacional.
Nesses casos, o Supremo Tribunal Federal deferiu as ordens, no legítimo exercício das funções precípuas de um Tribunal Constitucional, que é garantir o exercício dos direitos fundamentais dos indivíduos.
Aqui, como naqueles casos, houve a prisão ilegal, a incomunicabilidade e graves restrições ao exercício de direitos políticos dos ocupantes de mandatos eletivos. Por outro lado, se hoje já não há a ameaça dos tanques e das baionetas, há, contudo, a grave manipulação das notícias e da opinião pública, a difusão de mentiras pela internet, o assassinato de reputações e a radicalização de opiniões e posturas institucionais que passam a ser consideradas legítimas e normais.
"

Infelizmente, boa parte da imprensa ainda não acordou para as violações em curso. Confunde-se a acusação com prova e prisões temporárias e preventivas com antecipação de pena do que ainda nem foi julgado — e, com frequência, nem investigado. A prisão temporária está disciplinada pela Lei 7.960; a prisão preventiva, pelo Artigo 312 do Código de Processo Penal. A influência ou o poder do investigado não está entre as causas de uma ou de outra, a menos que o órgão acusador evidencie que a temporária se faz necessária para as investigações ou a preventiva para coibir novos crimes em curso e assegurar ou a instrução criminal ou a aplicação da lei penal.

Nada disso se evidenciou nas prisões efetuadas na dita "República de Curitiba".

Por enquanto, as leis penais e os direitos constitucionais vigentes no Paraná ainda são os vigentes no Brasil.

Que se saiba, os valentes que arvoram em donos da ordem legal ainda não decretaram a independência.

A propósito: o senador e presidenciável Álvaro Dias (Podemos), garoto-propaganda da Lava-Jato e de seus métodos, acha que, também nesse caso, só se praticou a Justiça, não mais do que a Justiça?

É preciso abrir o olho, certo, senador?

Quanto à questão política, eis que me vem uma curiosidade: algum outro postulante ao Senado poderia ser do círculo de relações pessoais, profissionais ou corporativas daqueles que mandaram encarcerar Beto Richa? Eis um bom tema para o jornalismo investigativo.

Eu só investigo advérbios de maus modos…

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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