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DIREITOS LGBT: Mello dá uma carraspana nos xucros; STF não legisla, mas não vai se omitir em matéria de direitos fundamentais

Reinaldo Azevedo

15/02/2019 07h55

Crítica dura aos recionários, preconceituosos e fundamentalistas religiosos que querem sonegar direitos

O bolsonarismo e, mais amplamente, a extrema-direita estão prestes a sofrer uma derrota no Supremo — a menos que algum ministro decida fazer as honras da subserviência e peça vista, adiando uma resposta do tribunal a uma questão mais do que evidente. A que me refiro? O ministro Celso de Mello, relator, conclui na próxima quarta-feira seu voto numa Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), movida pelo PPS. O partido pede que o tribunal declare a omissão do Congresso em votar uma lei que puna a homofobia e a transfobia. De saída, observe-se: Mello já deixou claro em seu voto que não cabe ao tribunal o papel de legislador. Mas também evidenciou que a Corte não pode se omitir quando direitos constitucionais estão sendo sonegados a grupos de indivíduos. Qual será, então, a saída, já que a Corte não pode obrigar o Parlamento a votar isso ou aquilo? Vamos ver.

O azul e o rosa de Damares
Mello foi duro na leitura do seu voto, que ainda não foi concluída, e não se escusou de citar algumas tolices da ministra Damares Alves. Afirmou:
"Essa visão de mundo, fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas entre o homem e a mulher devem determinar os seus papeis sociais, meninos vestem azul e meninas vestem rosa, (…) impõe notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT uma inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a um padrão existencial heteronormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo".

"Reacionários morais"
Disse mais: "Versões tóxicas da masculinidade e da feminilidade acabam gerando agressões a quem ousa delas se distanciar no seu exercício de direito fundamental e humano ao livre desenvolvimento da personalidade, sob o espantalho moral criado por fundamentalistas religiosos e reacionários morais com referência à chamada ideologia de gênero".

O ministro também chamou a memória histórica: "Os exemplos de nosso passado colonial e o registro de práticas sociais menos antigas revelam o tratamento preconceituoso, excludente e discriminatório que tem sido dispensado à vivência homoerótica em nosso país. Vê-se daí que a questão da homossexualidade, desde os pródromos de nossa história, foi inicialmente tratada sob o signo da mais cruel das repressões, experimentando, desde então, em sua abordagem pelo Poder Público, tratamentos normativos que jamais se despojaram da eiva do preconceito e da discriminação"

O PL 122
Para lembrar: a Câmara aprovou o PL 122, que alterava a Lei 7.716, que já pune "os crimes resultantes de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Incluía no rol das discriminações "gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero". O troço ficou parado no Senado e acabou arquivado. A bancada evangélica se opôs fortemente ao texto afirmando que as igrejas seriam impedias de expressar o seu pensamento, já que muitas correntes reprovam a homossexualidade. Relatora do projeto no senado, a então senadora Marta Suplicy acrescentou uma ressalva: "A lei [da homofobia] não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião". Não bastou. Ainda agora, a bancada evangélica quer que o Supremo se mantenha longe da questão, alegando tratar-se de assunto legislativo.

Mello não concluiu o seu voto. Mas é pouco provável, depois da exposição que fez até agora, que vá propor que o tribunal simplesmente lave as mãos. Uma resposta possível é evocar os direitos fundamentais garantidos pelo caput do Artigo 5º da Constituição — "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" —, observando que essa igualdade só pode ser garantida com a efetiva proteção a grupos vulneráveis: se a lei houve por bem punir "os crimes de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional", por que razão se escusaria de fazê-lo no caso de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero"? Não custa lembrar que o Código Penal incorporou o Lei do Feminicídio, por exemplo.

A extensão de direitos diante da omissão
Mas e se o Congresso se nega a votar uma lei? Uma saída possível é reconhecer a extensão, a esses grupos, da proteção garantida a outros na Lei 7.716 até que os senhores parlamentares se debrucem sobre a questão. O Supremo não pode impor uma votação. Mas pode reconhecer, então, a omissão. Que se note: o tema passou a ter facetas políticas antes ausentes. O bolsonarismo decidiu abrir guerra contra o Supremo. E um dos pilares de sua postulação circense é o combate à tal "ideologia de gênero", uma invenção do cretinismo.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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