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Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, mas veja por que não vai cair

Reinaldo Azevedo

06/03/2019 22h14

Janaina Paschoal: ela é uma das signatárias da denúncia contra Dilma. Mesma lei, em outro artigo, prevê denúncia contra Bolsonaro. Mas não vai prosperar

Cabe uma denúncia por crime de responsabilidade, cuja condenação significa "impeachment", contra um presidente da República que se comporta como garoto propaganda do site pornô "XVideos"? Na letra da lei, a resposta, obviamente, é "sim". Está lá Item 7 do Artigo 9º da Lei 1.079:
"São crimes de responsabilidade contra a probidade da administração (…) proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo".

Vai acontecer? A resposta é "não". Já chego lá.

Cumpre evocar aqui o Artigo 85 da Constituição. Lá se lê:
"Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento
.

Repararam ali no Inciso V? Crimes contra a probidade da administração são crimes de responsabilidade. E o ato cometido por Bolsonaro é manifestação de improbidade segundo a mesma lei em que os signatários da denúncia de impeachment de Dilma encontraram motivos para pedir que fosse apeada do Planalto.

Aquele documento tinha três assinaturas: Hélio Bicudo morreu. Miguel Reale Jr., acertadamente, diz ver motivos para denunciar Bolsonaro. Não creio que a terceira signatária, a hoje deputada estadual (SP) bolsonarista Janaina Paschoal, compartilhe esse ponto de vista. Intuo que suas lentes do direito — advogada e professora que é — enxerguem outra coisa. Sabem como é… Ideologia costuma reescrever até as Santas Escrituras, né? De todo modo, podem esquecer essa possibilidade.

Já escrevi neste blog algumas vezes: os processos de impedimento dos presidentes da República têm duas dimensões: a jurídica e a política. Sim, caros, a jurídica está dada. Ou alguém considera que o ato do presidente está de acordo com o decoro que o cargo exige? As provas se mostram aos milhões. Cada celular que recebeu a mensagem presidencial, ou porque seu seguidor ou porque lhe chegou de terceiros, serve de evidência fática da transgressão cometida.

Mas existem condições políticas para depor Bolsonaro? A resposta é "não". E é "não" em sentido amplo.

Comecemos pelo óbvio: a denúncia tem de ser oferecida à Câmara, e o presidente da Casa é soberano para jogá-la no lixo ou admiti-la. Digamos que fosse admitida, que se formasse a comissão especial e que esta votasse a favor do andamento do processo. Para que o caso chegasse ao Senado, que é a corte julgadora, teria de contar com a aprovação de dois terços dos deputados. No Senado, ainda se faria o juízo de admissibilidade. E Bolsonaro precisara ter condenado por dois terços…

Então vamos à cadeia de coisas que não vão acontecer:

1: Rodrigo Maia não aceitaria a denúncia:
2: se aceitasse, não haveria dois terços de deputados para enviá-la ao Senado;
3: se houvesse, não haveria dois terços de senadores para condenar o presidente.

E por que é assim?

Ora, foi sábio o legislador quando estabeleceu que o primeiro filtro de um processo de impeachment é o político — a rigor, só existe o político, já que o Senado, que deveria proceder a julgamento técnico, é também uma Casa… política.

Um presidente da República que conta com apoio popular não é derrubado pelo Congresso. Podem esquecer.

Nunca é demais lembrar: Dilma pedalou e violou a Lei 1.079, a mesma agora violada por Bolsonaro, embora, como consta da denúncia, ela tenha transgredido os itens 4 e 6 do Artigo 10. Ele chutou o balde do Item 7 do Artigo 9º.

Ocorre que Dilma não caiu por causa da pedalada, convenham.

Ela caiu por causa do desemprego.

Ela caiu por causa da recessão.

Ela caiu por causa dos juros.

Ela caiu por causa da inflação.

Ela caiu por causa do desastre que provocou na economia.

Ela caiu porque perdeu apoio popular.

O crime de responsabilidade não foi uma desculpa, mas uma saída.

Bolsonaro ainda tem um amplo apoio popular. Sei que a muitos parecerá uma eternidade, mas ele se comportou como propagandista de site pornô no quinto dia do terceiro mês de governo.

Não existe uma maioria na sociedade — ou, ao menos, uma massa expressiva — que queira a sua deposição. Então o Congresso também não quer.

Isso quer dizer que ele pode ficar tranquilo? Qualquer pessoa de juízo, e realmente tenho dúvidas se é o seu caso, estaria preocupado.

Digo em outro post por quê.

 

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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