Live com lema de campanha viola a Constituição e é ato de improbidade
Reinaldo Azevedo
08/03/2019 06h38
Não estava em sua casa de veraneio, aquela que ficava sob os cuidados da Val do Açaí, lotada em seu gabinete, lembram-se? Pois é… Assessora fantasma para fazer faxina da casa de praia… Convenham: os antecedentes prometiam, não é mesmo? Mas volto. Bolsonaro e os ministros estavam ali falando como governo, é isso? É isso!
E como ele encerrou a sua live? "Brasil acima de tudo; Deus acima de todos". É o lema do candidato do Bolsonaro sendo usado pelo presidente Bolsonaro, no pleno gozo de recursos públicos — e, em "recursos públicos", incluo os generais que estavam ali como funcionários do governo.
Terei de lembrar ao presidente o que define o Artigo 37 da Constituição Federal:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte"
Trata-se de um caso de improbidade administrativa, idêntico àquele que o ministro Vélez Rodriguez pretendia cometer ao enviar às escolas uma carta, que deveria ser lida aos alunos, que trazia o lema de campanha.
Trata-se de saber se o presidente da República vai se tornar um fora-da-lei contumaz.
Ao divulgar o vídeo pornô, violou a Lei 1.079. Ao tratar as Forças Armadas como entes que tutelam a democracia, ignorou o que dispões os Artigos 1º e 142 da Carta. Com a live, chuta o Artigo 137 e viola a Lei da Improbidade Administrativa.
"Ah, mas essa imprensa pega muito no pé!"
É mesmo?
Bolsonaro já demonstrou, mais de uma vez, ser fã do modelo americano. Lembram-se de Hillary Clinton? Comeu o pão que o diabo amassou porque andou enviando algumas mensagens que diziam respeito à sua função — secretária de Estado do governo Obama — de seu e-mail pessoal, o que se considera por lá um atentado à transparência.
Por aqui, filho de presidente grava conversa do pai com um ministro de Estado e põe nas redes sociais. E o presidente da República resolve divulgar um videozinho pornô sob o pretexto de moralizar os costumes. Numa solenidade, diz que a democracia depende da vontade dos militares e, na sequência, faz uma "live", produzida com recursos públicos e na presença de dois altos funcionários do governo, apelando ao lema de campanha.
Um lema, note-se, ruim. E não porque se diz ali que "Deus está acima de tudo". Por certo, está para os crentes. É o meu caso.
Na administração pública, no entanto, a Constituição está acima de Deus. A razão é simples: se o lema de campanha fizesse sentido, em nome de Deus, poder-se-ia rasgar a Constituição.
E não pode.
A menos que Bolsonaro queira estar acima da Carta, o que, no caso em questão, implicará estar acima de Deus.
Será?
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.