Já afirmei aqui que eu vinha estranhando o otimismo dos mercados com a reforma. Reagiam como se Paulo Guedes fosse o presidente da República e como se o texto não tivesse de passar pelo Congresso. E, por óbvio, as coisas não são assim. Quem quer aprovar a tal "Nova Previdência" não apresenta junto com a proposta de reforma para os militares um plano de reestruturação de carreiras da categoria. Ocorre que a cabeça de Bolsonaro está em outro lugar. Vocês notaram que Olavo de Carvalho, o mentor espiritual do presidente e família, nem toca no assunto? Haver ou não a reforma, para ele, é irrelevante. E isso vale para o núcleo de extrema-direita do governo, incluindo o presidente. O olavete Filipe Martins, assessor do presidente, quer, por exemplo, o povo da rua. Em defesa do quê? De nada! Contra a "velha política", onde inclui Rodrigo Maia. Também Guedes, segundo o universo olavista, é inimigo. É tido como um "liberal da Escola de Chicago". Na boca dessa direita reacionária e delirante, isso pode ser sinônimo de simpatia, ainda que inconsciente, pelo esquerdismo.

Bolsonaro e sua turma querem, antes de mais nada, uma revolução espiritual — seja lá o que isso signifique. E são inúteis todos os alertas de que uma crise pode não ser boa para ninguém.

Prestem atenção a uma coisa: para os sectários, para os que rejeitam o reformismo e só pensam na redenção, o sofrimento é parte da libertação. Liberais reformistas são malvistos tanto pela esquerda como pela extrema-direita porque repudiam as ações disruptivas. Certa esquerda conta com elas para atingir os amanhãs sorridentes; e a extrema-direita, já escrevi aqui, para voltar a um passado edênico que nunca existiu. Nos dois casos, ódio ao presente e seus desafios.

Sim, aquele Bolsonaro acabou; aquele show de horrores acabou; a reforma, como Guedes a concebeu, acabou. E o que fica no lugar? Por enquanto, nada.