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Pantomima estúpida: Weintraub, os 30%, os 3,5 chocolates e as mentiras

Reinaldo Azevedo

10/05/2019 17h28

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, participou da "live" desta quinta protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro (a participação do ministro começa aos 15 minutos e 45 segundos do vídeo acima) . O mau estudante de economia e professor com baixa produtividade, alçado agora àquele que pode ser considerado o cargo mais importante da Esplanada dos Ministérios, deve se achar engraçado. Ele já deu pinta em alguns eventos públicos em que tenta exercitar a sua veia cômica. Ocorre que o ministro é um trapalhão, um desengonçado.
O ministro resolveu recorrer a um exemplo prático, material, para explicar o contingenciamento de verbas nas universidades federais. Espalhou cem bombons sobre a mesa e explicou ao distinto público que o que ele estava fazendo era reter, por enquanto, 3,5 bombons — ah, sim: Bolsonaro comeu a metade do quarto chocolatinho para evidenciar que tem senso de humor.

Vamos lá. Já sabemos que Weintraub foi, ele próprio, um bom exemplo de desperdício de verba pública. Seu primeiro ano e meio como aluno de Economia da USP correspondeu a jogar fora o dinheiro do contribuinte. Ele era particularmente ruim em… matemática. Mas justiça se lhe faça: ele não estava dizendo que 30% de cem é 3,5. Ocorre que ele evidenciou ser um péssimo professor, o que a sua ficha de estudante prenunciava.
O seu didatismo resultou ineficaz e contraproducente porque ele estava tentando enganar o distinto público, tendo ninguém menos do que Bolsonaro como coadjuvante exclamativo de sua pantomima.

De fato, o contingenciamento de verbas das universidades não corresponde a 100% do que se gasta com o ensino universitário ou do que consome cada unidade. É muito menor. Afinal, ele é aplicado apenas sobre a parte dos chamados gastos discricionários. Há a parcela do orçamento das instituições que não pode ser cortada ou contingenciada porque se trata de gastos fixos: a maior despesa, obviamente, é composta pelos salários e, atenção!, pelas aposentadorias. Ora, os aposentados, que entram no Orçamento geral das instituições são despesas previdenciárias, certo? Nada têm a ver com a educação em si. E podem corresponder a até 25% do orçamento.

DIDATISMO ESTÚPIDO

Assim, o que o ministro estava dizendo é que, de cada R$ 100 gastos com a universidade, federal, 11,67% compõem os gastos discricionários, que podem ser livremente exercitados pela instituição. Os outros 88,33% compõem as despesas fixas, não passíveis de corte ou contingenciamento. Logo, 30% de 11,67% correspondem aos tais 3,5% do total.

Ocorre que havia uma má-fé essencial na sua explicação. Ele queria caracterizar as universidades como centros perdulários, que torram o dinheiro dos consumidores. E afirmou, então, que elas gastam, em média, R$ 1 bilhão por ano, algumas chegando perto de R$ 4 bilhões. É parcialmente verdadeiro, mas uma mentira estava sendo contada aos internautas apelando a dados, de novo a palavra, parcialmente verdadeiros.
Nesses bilhões do ministro, estão os gastos fixos. Informa a Agência Lupa:

"O custo médio de cada uma das 68 universidades federais, de acordo com dados disponíveis na Lei Orçamentária Anual de 2019, está previsto em R$ 729,7 milhões em 2019. O número citado pelo ministro da Educação é 37% maior do que o real. Se forem considerados também os hospitais universitários vinculados a essas unidades, o valor sobe para R$ 830,7 milhões – ainda assim, abaixo do citado por Weintraub. O maior orçamento previsto é o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que teve reservados R$ 3,1 bilhões para 2019. Já o menor é o da recém-criada Universidade Federal de Catalão, em Goiás, que tem previsão de receber R$ 28 milhões este ano. Ao todo, apenas 16 das 68 instituições, ou 23,5% do total, vão receber mais de R$ 1 bilhão."

Perceberam? Existem, sim, universidades cujo custo é de mais de R$ 1 bilhão. Ocorre que é preciso retirar o custo fixo, que não pode ser contingenciado, para saber quanto dinheiro elas podem efetivamente movimentar. Ao enveredar pela carreira de mau comediante, com o óbvio intuito de difamar as instituições, o ministro passou por trouxa e popularizou a ideia de que ele acha que 30% de 100 são 3,5.

O G1 publicou em 2018 um raio-x dos gastos com universidades federais — no caso, inclui 63 delas. A verba não obrigatória repassada pelo MEC às instituições foi de R$ 6.194.763.357. Assim, na média, cada uma delas custou efetivamente R$ 98.329.577. Reitere-se: é média.
Pegue-se o caso de uma gigante como a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a tal que que o ministro diz ter verba de quase R$ 4 bilhões (na verdade, R$ 3,1 bilhões em 2019). O orçamento da universidade em 2017 foi de R$ 372.818.125 , entenderam? Muito distante dos tais bilhões. E o valor já foi muito maior. Em 2011, chegou a R$ 477.815.986.

PALHAÇADA

Acontece que Weintraub não queria explicar nada. Estava empenhado em levar adiante a sua palhaçada. Tanto é assim que, num dado momento, trava com Bolsonaro o seguinte diálogo:

– Elas [as universidades], geralmente, têm de orçamento R$ 1 bilhão por ano. Algumas tem mais.
Bolsonaro, então, interrompe o ministro para deixar bem marcado:
– Cada universidade [gasta] R$ 1 bilhão por ano?

E segue o seguinte diálogo:

WEINTRAUB – Algumas têm mais, algumas têm quase R$ 4 bilhões, R$ 3,5 bilhões, algumas têm menos, mas vamos supor, assim, uma que a gente encontra com mais facilidade: R$ 1 bilhão por ano?
BOLSONARO – Esse dinheiro vem de onde?
WEINTRAUB – Vem do seu bolso, porque você paga imposto para comprar chocolate, para pagar linha de celular…

Vale dizer: o chocolate deixava de ser, então, uma metáfora para assumir a condições de linguagem referencial. E sobrou, certamente, para boa parcela que acompanhava a "live" a informação de que as 68 universidades federais torram dinheiro para… comprar chocolate.

A confusão entre os gastos fixos das universidades, que não podem ser contingenciados, e os gastos operacionais, que garantem o seu real funcionamento —o pagamento da conta de luz, de água, de telefone, o pagamento de serviços terceirizados de segurança, limpeza, reformas, a manutenção de equipamentos, a compra de materiais como papel e outros programas de permanência, como as bolsas de auxílio-transporte e auxílio-alimentação dos estudantes, e bolsas de pesquisas acadêmicas — é exercício de pura má-fé.

Weintraub sabe, sim, que 30% de 100 não são 3,5, mas 30. Ele só não sabe por que é ministro. E é também um péssimo comediante.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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