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Mundo de Bolsonaro tem fé, talvez rei, mas não lei: anarquismo reacionário

Reinaldo Azevedo

29/05/2019 07h55

Imagem extraída do filme "Mad Max: Estrada da Fúria". Eis um mundo em que as utopias de Bolsonaro se realizariam à perfeição

Se Bolsonaro conseguisse ter um pensamento minimamente organizado, ele poderia ser classificado como um anarquista de extrema-direita,  cujo sinônimo, para este escriba, é "arruaceiro".

Há uma espécie de consenso, nunca detalhado tecnicamente, de que o país tem leis demais, regulamentações demais, portarias demais, certo? Isso pode ser uma conversa de tios no churrasco. Um presidente da República tem de saber, afinal de contas, o que quer.

No seu papo-furado no Clube Naval, disse ser preciso "desregulamentar muita coisa", uma vez que haveria um emaranhado legal que "alguns poucos usam em causa própria para atrapalhar quem quer produzir". Muito bem! Digamos que isso faça sentido genérico. Mas ele está falando sobre o quê? Aí voltou a metáfora da caneta: "Caneta Bic resolve esse problema. Não quero atrapalhar. Muito ajuda no Brasil quem não atrapalha. O governo federal vai colaborar com os senhores na simplificação dessa legislação, que é um emaranhado que poucos entendem e que a muitos inibe de investir no País."

Com a sua sanha irracional contra o meio ambiente, vai acabar provocando o efeito contrário ao pretendido. A sua fama de inimigo da área já ganha o mundo. E isso, sim, inibe quem quer investir no país — ao menos o investimento que interessa.

Há milhares de quilômetros da costa brasileira em que não há estações ecológicas ou áreas de preservação permanente e que podem abrigar empreendimentos turísticos. Por que ele cismou com a Estação Ecológica de Tamoios? Porque lá ele foi multado por praticar pesca em área proibida. E considera ser isso uma violência contra o suposto direito que devem ter os indivíduos de pescar onde lhes der na telha. É também em nome desse exercício da vontade que ele quer pôr fim a radares nas rodovias federais.

Dada a tríade que o Velho Mundo trouxe ao Novo — fé, lei e rei —, Bolsonaro acata a primeira, com disposição de impor a sua aos outros; aceita o rei, em especial se este tiver a sua cara ou as suas convicções, mas detesta leis que valham para todos — ou seja: odeia o Estado organizado, mesmo o civilizador.

Soubesse vocalizar o que quer, defenderia aglomerados humanos, liderados por valentões, que viveriam em guerra permanente para se impor segundo a lei do mais forte. Esse imaginário combina com uma sociedade armada até os dentes, como ele também quer, e não compreende os Poderes de uma República.

Não estranha que tenha defendido abertamente as milícias no passado e que a história de um de seus filhos se confunda com a das ditas-cujas. É o anarquismo de extrema-direita. Como tal, as gangues podem mais do que a ordem legal. Na verdade, melhor não tê-la. É a barbárie liberticida disfarçada de pensamento liberal.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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