Gleisi e Weintraub; PT e bolsonarismo: movimentos opostos e combinados?
Reinaldo Azevedo
03/06/2019 04h30
Gleisi Hoffmann e Abraham Weintraub: dois especialistas em dar tiro no pé. Opostos e combinados
Leio na Folha que lideranças do PT, a exemplo da deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidente do partido, querem que os atos em defesa da educação, preguem o "Lula Livre". Fernado Haddad, que disputou o segundo turno com Jair Bolsonaro, se opõe, afirmando que o PT não pode "ter a pretensão de tutelar movimento social". E acrescenta: "O movimento da educação é um movimento da sociedade, independentemente da posição que a pessoa tenha em relação ao PT e ao Lula." Parece-me evidente que Haddad está certo, e Gleisi, errada.
Segundo a presidente do PT, "Lula e educação são inseparáveis". Diz mais: "Essa moçada está indo às ruas pelo legado que Lula deixou nesse país". É secundada por Paulo OKamotto, presidente do Instituto Lula, que afirma:
"A campanha do Lula Livre, que, no nosso caso, é mostrar o julgamento injusto que ele teve, se junta à pauta da educação. O que nós estamos contestando no Brasil é um ataque a um programa de inclusão social, de combate à desigualdade, de mais oportunidades para os pobres. Hoje, está tendo um desmonte dessa política."
Uma das coisas curiosas hoje em curso no Brasil é que as forças políticas mais em evidência — e o PT é o maior partido de oposição — não precisam que os adversários lhes causem dissabores. Elas mesmas dão tiro no pé com uma determinação que chega a ser assombrosa. Não pensem vocês que, então, ficamos num jogo de soma zero: já que todos quebram a cara por sua própria conta, então o resultado seria neutro.
Não é, não. Bem ou mal — mais mal do que bem, como resta evidente —, são as elites políticas que temos. Se vão se perdendo na confusão, na falta de clareza, no erro, é evidente que isso acaba sendo ruim para todo mundo.
Ora, ninguém vai arrancar da mão de manifestantes cartazes pregando "Lula Livre". Como a maioria dos que se manifestam em defesa da educação já tem um natural sotaque à esquerda, é comum que lá estejam pautas alinhadas com essa visão de mundo, mas anunciar uma tentativa de aparelhar um movimento mais amplo e orgânico do que o "Lula Livre" é, com a devida vênia, de uma supina estupidez.
Gleisi está se candidatando a ser o Abraham Weintraub do PT. Com a sua ignorância imodesta, com a sua já comprovada incompetência, com sua inclinação sem talento para os atos momescos, o ministro da Educação praticamente pautou os protestos. Como transformou — e nem entro no mérito do contingenciamento — a própria educação em alvo de seu obscurantismo apalhaçado, conseguiu levar para as ruas também pessoas que não se sentem identificadas com a esquerda ou, mais especificadamente, com o PT e suas pautas.
Faço do julgamento e da condenação de Lula, como sabem, uma avaliação puramente técnica. Foi condenado sem provas. Isso, o STJ não reconheceu. Mas o julgamento nesse tribunal já corrigiu parte do despropósito punitivista. Tenho cá minhas dúvidas se um "Lula Livre" agora, nas ruas, não atrapalha mais do que ajuda o petista. Mas isso é lá com os companheiros. De uma coisa, no entanto, nem dúvida eu tenho: tudo o que é bolsonarismo quer e espera é que o movimento em defesa da educação seja convertido numa militância tipicamente partidária.
Ora, prestem atenção às entrevistas de Bolsonaro e da chamada "ala ideológica" do governo — empregar essa terminologia não deixa de ser ofensivo aos estudos sobre ideologia: o que essa gente quer é eternizar o confronto eleitoral de 2018. A gestão do "Mito" é, até agora, desastrada e desastrosa, para ser modesto. O presidente está em busca de culpados. Por que não aqueles que ele derrotou há sete meses?
"Ah, então não se pode pregar 'Lula Livre' nas ruas só para não dar corda a Bolsonaro?" Ora, que besteira! Eu não disse isso! Que se façam as manifestações com tal pauta, mas sem tentar aparelhar o movimento em favor da educação! Seria uma asnice. Se o "Lula Livre" quer abraçar a agenda da educação, que o faça. O que não pode acontecer é o contrário.
O bolsonarismo quer ter o monopólio do não-esquerdismo no Brasil e pretende que a largueza desse pensamento se atenha às suas estreitezas. E, do outro lado, há petistas tentando conter em sua bitola estreita a amplitude dos que se opõem ao bolsonarismo.
Movimentos opostos e combinados.
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.