STF 2: Há 40 milhões de judeus a explicar 2 da Corte? Pergunta faz sentido?
Reinaldo Azevedo
03/06/2019 04h05
Ah, sim: é até compreensível que presidentes da República procurem indicar para o tribunal pessoas que estejam mais alinhadas com as forças políticas que deram sustentação à sua eleição, mas não mais do que isso. Tentar fazer da corte um espaço de proselitismo religioso, ideológico ou de qualquer outra natureza corresponde a aviltar o tribunal. Ademais, aos fazer especulações como aquela, o presidente lança especulações que são obviamente inconvenientes.
INCONVENIÊNCIAS
Além do Sérgio Moro de sempre, hoje ministro da Justiça, o evangélico Marcelo Bretas é apontado como candidato a uma das duas indicações que Bolsonaro fará em quatro anos de mandato: Celso de Mello deixa a corte em novembro de 2020, e Marco Aurélio, em julho de 2021. Não é um nome dos mais palatáveis ao tribunal. E isso nada tem a ver com suas afinidades políticas ou religiosas. Além de se tratar de um juiz de primeiro grau, que ainda tem um longo caminho na carreira até ambicionar uma cadeira no seleto grupo dos 11, é visto como um heterodoxo de carteirinha, nem sempre reverente aos fundamentos da ordem legal e da Constituição. Mais de uma vez, ainda que de forma oblíqua, fez proselitismo contra decisões tomadas pelo Supremo ou endossou, de maneira indireta, críticas ao tribunal. Assim, se Bolsonaro está de olho em Bretas, melhor não…
Na sua imprudência costumeira, o presidente fez a declaração sobre haver um evangélico no Supremo um dia depois de ter se reunido, na quinta, com Humberto Martins, vice-presidente do STJ e Corregedor Nacional de Justiça, que é adventista. Saber-se lá por quê, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) participou da conversa. E por óbvio, investigado que é pelo Ministério Público no Rio, deveria ter se mantido longe da conversa. Não que Martins pudesse, ainda que quisesse, fazer algo em favor de Flávio nessa fase da apuração. Convenham: não pega bem. Na Advocacia Geral da União, o presidente tem ainda o presbiteriano André Luiz Mendonça.
Ocorre, meus caros, que essa é uma conversa que já nasce torta. Não se pode cobrar que um ministro não tenha religião, mas a suposição de que ele colocasse a sua crença acima dos direitos fundamentais degrada o postulado da justiça isenta. Quando Bolsonaro indagou se não estava na hora de haver um evangélico no tribunal, sugeria que tal ministro votaria necessariamente contra a criminalização da homofobia, ao menos nos termos feitos por seis magistrados. Fosse assim, tal ministro o faria ancorado na Constituição ou a Bíblia? Tendo o primeiro livro com referência dos seus atos, pode ser ministro do Supremo; tendo o segundo, cabe-lhe ser pastor. "Ah, mas não pode haver um pastor no STF?" Até pode. Desde que atue como magistrado do laicismo, já que um magistrado do laicismo não conduz o culto numa igreja, certo?
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.