Supremo já se debruçou sobre as provas ilegais e as suas circunstâncias
Reinaldo Azevedo
11/06/2019 16h42
Livro do constitucionalista Alexandre de Moraes trata das provas ilegais e da jurisprudência do Supremo a respeito
O Supremo tem jurisprudência firmada sobre o emprego de provas que poderiam ser consideradas ilegais. No livro "Direito Constitucional", ensina Alexandre de Moraes, hoje ministro do Supremo, que a disposição constitucional que repudia a produção ilegal de provas — Inciso LVI do Artigo 5º — deve conviver harmoniosamente com os valores consagrados no Caput do Artigo 37 da Carta, que, trata dos princípios da moralidade e da publicidade.
Escreve Moraes:
A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, conforme anteriormente analisado, deriva da posição preferente dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para obtenção de qualquer prova. Em defesa, porém, da probidade na administração, a inadmissibilidade das provas ilícitas, por ferimento às inviolabilidades constitucionais, deve ser compatibilizada aos demais princípios constitucionais, entre eles o princípio da moralidade e publicidade, consagrados no caput do art. 37 da Carta Magna.
Assim, exige-se do administrador, no exercício de sua função pública, fiel cumprimento aos princípios da administração e, em especial, à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devendo respeito aos princípios éticos de razoabilidade e justiça. Como lembrado pelo Ministro Marco Aurélio, ao analisar o princípio da moralidade, "o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César".
O dever de mostrar honestidade decorre do princípio da publicidade, pelo qual todos os atos públicos devem ser de conhecimento geral para que a sociedade possa fiscalizá-los. Dessa forma, a conjugação dos princípios da moralidade e publicidade impede que o agente público utilize-se das inviolabilidades à intimidade e à vida privada para prática de atividades ilícitas, pois, na interpretação das diversas normas constitucionais, deve ser concedido o sentido que assegure sua maior eficácia, sendo absolutamente vedada a interpretação que diminua sua finalidade, no caso, a transparência dos negócios públicos.
Destaco esse trecho do livro para lembrar que, quando está em causa a questão pública, outro valor deve ser levado também em conta.
Continua Moraes:
Portanto, deverá ser permitida a utilização de gravações clandestinas por um dos interlocutores, realizadas sem o conhecimento do agente público, que comprovem sua participação, utilizando-se de seu cargo, função ou emprego público, na prática de atos ilícitos (por exemplo: concussão, tráfico de influência, ato de improbidade administrativa), não lhe sendo possível alegar as inviolabilidades à intimidade ou à vida privada no trato da res pública; pois, na administração pública, em regra, não vigora o sigilo na condução dos negócios políticos do Estado, mas o princípio da publicidade.
Como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, analisando hipótese de gravação clandestina de conversa de servidor público com particular, "não é o simples fato de a conversa se passar entre duas pessoas que dá, ao diálogo, a nota de intimidade, a confiabilidade na discrição do interlocutor, a favor da qual, aí sim, caberia invocar o princípio constitucional da inviolabilidade do círculo de intimidade, assim como da vida privada".
Portanto, as condutas dos agentes públicos devem pautar-se pela transparência e publicidade, não podendo a invocação de inviolabilidades constitucionais constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas, que permitam a utilização de seus cargos, funções ou empregos públicos como verdadeira cláusula de irresponsabilidade por seus atos ilícitos, pois, conclui o Ministro Sepúlveda Pertence, inexiste proteção à intimidade na hipótese de "corrupção passiva praticada em repartição pública".
Nesse sentido, o STF afirmou a licitude de "gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores", envolvendo agentes públicos e crimes contra administração pública. Da mesma forma, entendeu o Supremo Tribunal Federal que "a produção e divulgação de imagem de vídeo quando da abordagem policial em local público não viola o art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, posto preservar o referido cânone da "intimidade", descaracterizando a ilicitude da prova. Inclusive, a Corte reconheceu repercussão geral em matéria de admissibilidade de gravação ambiental por um dos interlocutores como meio lícito de prova.
ENCERRO
Não estou dizendo que a revelação dos diálogos entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol e entre este e seus pares caiba necessariamente na jurisprudência.
Mas é inegável que exerciam (e exercem ainda) funções públicas, não é mesmo?
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.