INÉDITO: O que disse Moro a senadores e o que fez Dallagnol com procuradora
Reinaldo Azevedo
20/06/2019 19h16
Sergio Moro: o exato momento em que o ministro diz no Senado que seus "conselhos" aos procuradores não tiveram consequência. Tiveram, sim!
Trecho inédito que vem à luz da conversa travada no Telegram entre procuradores da República — desta feita entre Deltan Dallagnol e Carlos Fernando — evidencia que os fatos contradizem a fala do ministro Sérgio Moro na audiência desta quarta na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Ou por outra: a sua ação interferiu de maneira evidente até na escalação de procuradores para participar de audiência da Lava Jato. A revelação da conversa faz parte de uma apuração conjunta do site "The Intercept Brasil" com este blog e com o programa "O É da Coisa", da BandNews FM. Vamos lá.
Na primeira série de reportagens publicadas pelo site "The Intercept Brasil", há uma troca de mensagens entre o então juiz Sergio Moro e Dallagnol, coordenador da operação. A conversa aconteceu no dia 13 de março de 2017. Interferindo de maneira escancarada no processo e na rotina da força-tarefa, Moro reclama com Dallagnol do desempenho da procuradora Laura Tessler. Reproduzo a conversa, conforme o original:
Moro – 12:32:39. – Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
Dallagnol – 12:42:34. – Ok, manterei sim, obrigado!
Muito bem!
O assunto voltou à baila na audiência desta quarta. Às 6h20min13s (vídeo abaixo), o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) pergunta se Moro, quando juiz, "participou da orientação de trocas de agentes protagonistas nessa operação". Ele se referia justamente à procuradora Laura Tessler. E Moro dá a seguinte resposta a partir de 6h23min57s:
"Senador, pelo teor das mensagens, se elas forem autênticas, não tem nada de anormal nessas comunicações. O exemplo que Vossa Excelência colocou é o claro exemplo de um factoide. Eu não me recordo especificamente dessa mensagem, mas o que consta no caso divulgado pelo site é uma referência de que determinado procurador da República não tinha o desempenho muito bom em audiência e para dar uns conselhos para melhorar. Em nenhum momento no texto, há alguma solicitação de substituição daquela pessoa. Tanto que essa pessoa continua e continuou realizando audiências e atos processuais, até hoje, dentro da operação Lava Jato (…). Se aconteceu, de fato, não tem nada de ilícito. Não estou comandando a força-tarefa da Lava Jato".
Isso é o que diz Moro. Agora vamos aos fatos. Dezessete minutos depois de receber a mensagem do então juiz, Dallagnol passa a seguinte mensagem a seu colega Carlos Fernando:
12:42:34 Deltan Recebeu a msg do moro sobre a audiência tb?
13:09:44 Não. O que ele disse?
13:11:42 Deltan Não comenta com ninguém e me assegura que teu telegram não tá aberto aí no computador e que outras pessoas não estão vendo por aí, que falo
13:12:28 Deltan (Vc vai entender por que estou pedindo isso)
13:13:31 Ele está só para mim.
13:14:06 Depois, apagamos o conteúdo.
13:16:35 Deltan Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
13:17:03 Vou apagar, ok?
13:17:07 Deltan apaga sim
13:17:26 Apagado.
13:17:26 Deltan Vamos ver como está a escala e talvez sugerir que vão 2, e fazer uma reunião sobre estratégia de inquirição, sem mencionar ela
13:18:11 Por isso tinha sugerido que Júlio ou Robinho fossem também. No do Lula não podemos deixar acontecer.
13:18:32 Apaguei.
Como se nota acima, Dallagnol repassa a mensagem de Moro para Carlos Fernando. Mais do que isso: ele demonstra a disposição de mexer na escala dos procuradores para enviar para a audiência com Lula pessoas que estejam ao gosto do juiz. Ora, Moro não sugeriu ou ordenou a troca explicitamente. Mas a interferência é evidente, e a sugestão estava dada.
Dois meses depois, no dia 10 de maio de 2017, o ex-presidente Lula depunha, então, pela primeira vez em Curitiba. Do outro lado da mesa, Sérgio Moro — aquele que, na prática, coordenava a Lava Jato.
Não! Laura Tessler não estava presente. Representaram o Ministério Público Federal justamente "Júlio" e "Robinho — respectivamente, Júlio Noronha e Roberson Pozzobon.
ABSURDO
A fala de Sérgio Moro reúne um conjunto de absurdos. Note-se que, ao mesmo tempo em que põe em dúvida a veracidade dos diálogos, diz não haver neles nada de mais. Há, sim! Fraudam o Código de Ética da Magistratura e o Inciso IV do Artigo 254 do Código de Processo Penal.
Trata-se de um dos momentos em que o juiz interfere no andamento da Lava Jato e na rotina interna do próprio Ministério Público Federal. E, como se nota, os procuradores atuam segundo o seu gosto.
A propósito: Moro deu algum conselho a Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente nesse caso? Os vídeos disponíveis apontam o contrário: mais de uma vez, o juiz comportou-se com impressionante rispidez, como se a defesa estivesse presente à audiência para atrapalhar o seu bom andamento.
Laura Tessler não foi expulsa da Lava Jato. Mas não participou da audiência com Lula. Afinal, como escreveu Carlos Fernando, "no do Lula, não podemos deixar acontecer".
CONSCIÊNCIA DA ILEGALIDADE
Notem os cuidados de Dallagnol e Carlos Fernando. Eles sabem que o trio está numa operação que frauda as regras do jogo, que contraria a lei. O interlocutor de Dallagnol fala duas vezes em apagar a mensagem. Parece que Carlos Fernando apagou, mas Dallagnol não.
OUTRO LADO
A reportagem do programa "O É da Coisa" acionou a Lava Jato, o procurador Carlos Fernando e o ministro Sergio Moro para saber se eles queriam se manifestar a respeito.
O Ministério da Justiça respondeu com a seguinte nota:
Sobre suposta mensagem atribuída ao Ministro da Justiça e Segurança Pública esclarece-se que não se reconhece a autenticidade, pois pode ter sido editada ou adulterada pelo grupo criminoso, que mesmo se autêntica nada tem de ilícita ou antiética. A suposta mensagem já havia sido divulgada semana passada, nada havendo de novo.
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.