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A suspeição de Moro, o julgamento no STF e argumentos de antes e de agora

Reinaldo Azevedo

24/06/2019 17h05

Lula e o ex-juiz Sérgio Moro: sentença é um coquetel de heterodoxias escandalosas. E agora há os diálogos que revelam ilegalidades

A ministra Cármen Lúcia, presidente da Segunda Turma, colocou nada menos de 11 processos à frente do pedido encaminhado pela defesa de Lula para que seja reconhecida a suspeição do juiz Sergio Moro. Se isso acontecer, a condenação do ex-presidente do caso do tríplex pode ser anulada, e os processos que correram na 13ª Vara Federal de Curitiba podem voltar à fase da denúncia ou mesmo da investigação.

A petição da defesa é anterior aos vazamentos das conversas entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, e o julgamento já começou, com dois votos contrários pronunciados: de Edson Fachin, relator do petrolão no Supremo, e de Cármen Lúcia. Ainda não votaram Gilmar Mendes, que pediu vista, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

Dada a pauta, Mendes decidiu adiar o anúncio do seu voto. O julgamento só deve ser retomado em agosto.

Além do caso do tríplex, correm na 13ª Vara Federal de Curitiba um processo sobre recursos ilegais que a Odebrecht teria repassado para a compra de um terreno para construir o Instituto Lula, ainda sem sentença proferida, e o caso do sítio de Atibaia, com a polêmica sentença condenatória assinada pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Sergio Moro como interina. Ela assumidamente copiou trechos da sentença de seu antecessor, esquecendo-se até de substituir a palavra "apartamento" por "sítio".

A SUSPEIÇÃO
A defesa alega uma porção de eventos que indicaria a suspeição do juiz, como a divulgação ilegal de um grampo também ilegal de uma conversa sua com a então presidente Dilma; a intervenção de fato descabida quando um juiz substituto do TRF-4 concedeu habeas corpus ao ex-presidente, suspenso em seguida; a liberação de trechos do depoimento de Palocci com acusações contra o PT dias antes das eleições e, por óbvio, o fato de o juiz ter aceitado o cargo de ministro da Justiça.

Sim, a defesa do ex-presidente anexou diálogos entre Moro e Deltan Dallagnol, em que fica escancarada a intervenção do então juiz no processo que dizia respeito ao tríplex:
– indicou ao procurador uma testemunha contra Lula:
– anuiu com uma sugestão de Dallagnol de forçar os limites da lei para fazê-la testemunhar;
– instruiu a procuradoria a atacar publicamente a peça da defesa;
– condescendeu com a confissão de um truque do procurador, que decidiu forçar a mão para ligar Lula a um desvio de R$ 86 milhões;
– interferiu na composição da acusação, criticando o desempenho da procuradora Laura Tessler, retirada do caso por Dallagnol 48 horas depois.

Vamos ser claros? Se nada disso caracterizar a suspeição do juiz, o que caracterizará? Encher de sopapos o réu e seus advogados?

AMBIGUIDADE
Moro nem nega nem admite os diálogos, buscando um lugar impossível no discurso. Não há, até agora, nenhuma evidência de que tenham sido fraudados. Neste domingo, o ex-juiz enviou um áudio ao MBL em que pede desculpa por ter chamado de "tontos", em 2016, membros do movimento — que, diga-se, o apoia incondicionalmente. Já era assim em 2016. A desqualificação do grupo pertence ao mesmo lote de vazamentos que chegou ao site "The Intecepet Brasil". 

Lula pediu a seus advogados que insistam para que a votação se dê mesmo nesta segunda. Seus defensores argumentam que, por critérios regimentais, o habeas corpus deveria ser o segundo item da pauta. A presidente da turma pode mudar a ordem se quiser. Mas o próprio ministro Gilmar Mendes, que é autor do pedido de vista, pode solicitar o adiamento — e é muito provável que o faça.

Já tratei do assunto aqui e reitero: os dados revelados pelo "The Intercept Brasil" podem ser levados em conta pelos ministros do Supremo? Podem. Com o adendo feito pela defesa, agora eles estão nos autos. A questão da ilegalidade da captação da troca de mensagens é irrelevante nesse caso. Estas não poderiam ser usadas como elementos de prova contra o réu num processo penal — Inciso LVI do Artigo 5º da Constituição —, mas podem e até devem ser consideradas se for em seu benefício. A razão é óbvia, não? Será que um inocente que fosse condenado, pois, injustamente mereceria cumprir a pena até o fim porque a prova que o inocenta foi colhida ilegalmente? A resposta parece óbvia.

RAQUEL DODGE
Raquel Dodge encaminhou parecer ao Supremo contrário à pretensão de Lula. A doutora não é louca nem nada e sabe que não poderia alegar a simples ilegalidade na coleta dos diálogos. Então saiu-se com uma tese que tem lá sua ambiguidade. Argumentou que o material "ainda não foi apresentado às autoridades públicas para que sua integridade seja aferida". E avançou: "Diante disso, a sua autenticidade não foi analisada e muito menos confirmada. Tampouco foi devidamente aferido se as referidas mensagens foram corrompidas, adulteradas ou se procedem em sua inteireza, dos citados interlocutores".

Pergunta: caso se comprove a autenticidade, a doutora então reconhece a suspeição, é isso?

Estamos na fase em que autoridades dizem "sim" e "não" ao mesmo tempo, sem pestanejar. Diz ela:
"A Procuradora-Geral da República manifesta preocupação com a circunstância de que as supostas mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil tenham sido obtidas de maneira criminosa, e que ferem a garantia constitucional à privacidade das comunicações, a caracterizar grave atentado às autoridades constituídas brasileiras".

Bem, doutora, isso nada tem a ver com Lula, certo? Fato é que, até agora, inexiste qualquer evidência de que, independentemente do meio de captação, os diálogos tenham sido fraudados. As pessoas colhidas em atos suspeitos se agarram a essa possibilidade porque não lhes resta alternativa. E a evidência de que se trata de um truque está na decisão de nem negar nem confirmar as conversas.

Foi tal postura que levou Sérgio Moro a, pateticamente, pedir desculpas ao MBL por algo que ele poderia ter dito, embora, insista, queira crer que não. Moro deixou claro que se lembra de ter reprovado a manifestação do grupo contra Teori Zavaski e de ter expressado tal reprovação a Dallagnol. Só não reconhece a palavra "tontos". Convenham: um fraudador de mensagens talvez fosse mais incisivo se fosse para escolher um adjetivo à sua vontade, não é mesmo?

A suspeição de Moro é escancarada. Vamos ver quando o Supremo vai dizer o óbvio. A alternativa é se render aos métodos ilegais a que recorreram Moro e a Lava Jato em nome da legalidade.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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