Estado policial: Moro já fez o que o PT não ousou nem para tentar se salvar
Reinaldo Azevedo
06/07/2019 20h29
José Eduardo Cardozo: ministro da Justiça de Dilma, nunca houve nem sinal de que ele tenha tentado controlar a Lava Jato. Com seis meses no poder, Sergio Moro já passou a Bolsonaro informação sobre inquérito sigiloso e, segundo o próprio presidente, recebeu ordem para que a PF abra investigações. É tudo ilegal (Foto: Adriano Machado/Época)
José Eduardo Cardozo era o ministro da Justiça quando teve início a tal Lava Jato. Não se tem notícia de que tenha sido avisado previamente das ações desfechadas pela Polícia Federal. E isso implicava que sua chefe, a então presidente Dilma Rousseff, era literalmente a última a saber.
Desde os primeiros passos, a Lava Jato se organizou de forma meticulosa para capturar a imprensa com vazamentos organizados, hierarquizados e seletivos. Uma das consequências foi a queda do governo Dilma — que não se deu só em razão disso, mas também por isso.
Quem conhece os bastidores dessa história pode atestar: Cardozo era malvisto pelos setores mais inconformados do PT. Considerava-se um absurdo que, sendo a PF administrativamente subordinada ao Ministério da Justiça, atuasse com independência — como, de resto, prevê a lei.
Pois bem! O jornalista Rubens Valente, da Folha, apontou o que ao resto da imprensa passou despercebido, incluindo a este escriba. Reproduzo trecho de texto publicado em sua página:
Que o presidente da República tenha revelado isso e nenhuma reação provocado é um sinal preocupante de debilidade das instituições. Em entrevista coletiva no Japão, no dia 28, Jair Bolsonaro disse que o ministro Sergio Moro lhe deu acesso privilegiado a dados do inquérito sobre os laranjas do PSL: "Ele [Moro] mandou a cópia do que foi investigado pela Polícia Federal pra mim. Mandei um assessor meu ler porque eu não tive tempo de ler".
Segue Valente:
Ocorre que a investigação tramita sob segredo na 26ª Zona Eleitoral de Minas Gerais. Surgem aqui dúvidas éticas e legais. Bolsonaro foi além. Revelou que "determinou" a Moro, que por sua vez iria "determinar" à PF, que "investigue todos os partidos" com problemas semelhantes. "Tem que valer para todo mundo, não ficar fazendo pressão em cima do PSL para tentar me atingir."
As declarações devem assustar policiais das diversas carreiras da PF —alguns dos quais hoje em cargos de direção, reconheça-se— que nos últimos 30 anos trabalharam para que o órgão evoluísse para uma instituição "de Estado, não de governo", como cansaram de repetir. Uma PF que não esteja à mercê dos rancores do presidente e do ministro de plantão. Um órgão que investigue fatos e não pessoas.
O jornalista atenta para a gravidade do caso:
Bolsonaro se elegeu agitando a bandeira "da lei e da ordem", o que pressupõe pelo menos respeito aos órgãos investigativos. Agora faz o contrário: acessa e fala sobre um caso sob segredo e humilha investigadores em praça pública ao ditar como devem se comportar, como se eles não soubessem seu papel. Ele também tem seguidamente atacado a PF por discordar, sem provas, das conclusões do caso Adélio.
Os órgãos de controle da União ou não ouviram o que Bolsonaro disse no Japão ou ouviram e silenciaram. Nos dois modos temos instituições cegas para o Alex Jones que ora ocupa a Presidência. Ele exerce abertamente a ousadia dos impunes a fim de obter dados sigilosos e determinar o que deve ser investigado no país. Isso é que é Estado policial.
DE VOLTA AO COMEÇO
Volto, então, ao meu primeiro parágrafo e pergunto:
1: o que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — diante da evidência de que a PF teria fornecido, contra a lei, informações sigilosas ao ministro da Justiça, e este, dando sequência à ilegalidade, à presidente da República? Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República;
2: o que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — se ficasse evidente, então, que o ministro da Justiça comandava as ações da PF e que, pois, esta teria se transformado numa polícia a serviço do governo, não a serviço do Estado, segundo as balizas legais? Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República;
3: o que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — se a então presidente da República tivesse admitido que mandou, sim, seu ministro da Justiça determinar à PF que investigasse seus adversários políticos? E tal ministro, entende-se — depois de ter recebido e fornecido ilegalmente informação sigilosa sobre investigação —, teria cumprido diligentemente a ordem. Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República;
4: O que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — diante da evidência de que, se a presidente podia mandar investigar seus adversários sobre um assunto em particular, então poderia fazê-lo sobre qualquer outro? Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República;
5: O que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — diante de outra evidência, esta que segue? Presidente que manda investigar A ou B, dos quais não gosta, tem poder, então, para mandar parar de investigar C ou D, dos quais gosta. Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República.
CADA UM FALE POR SI
Como se nota, falo por mim. Cada um fale por si. Não mudei de princípios:: ACUSO A TENTATIVA DE INSTALAÇÃO DE UM ESTADO POLICIAL A SERVIÇO DE UM GRUPO QUE QUER GOLPEAR A REPÚBLICA.
E seu principal agente, como resta evidente, é Sergio Moro. E olhem que não trato aqui das revelações feitas pelo site The Intercept Brasil.
Continua aqui
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.