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Nota repudia procuradores fora da lei, juízes parciais e censura à imprensa

Reinaldo Azevedo

16/07/2019 07h44

Deborah Duprat: procuradora federal dos Direitos dos Cidadãos lembra as tarefas do MPF e da Justiça (Foto: Agência Brasil)

O Ministério Público Federal respira. A Lava Jato ainda não destruiu, com sua obsessão pela ilegalidade supostamente redentora — e, sabe-se agora, muito bem-remunerada—, os fundamentos do estado de direito. Deltan Dallagnol e sua turma ainda não conseguiram reduzir a escombros o órgão que tem como fundamento a defesa dos direitos fundamentais. O Ministério Público não é o titular da ação penal porque a sua função primeira seja pedir a punição. Esse pedido, que se dá na forma do oferecimento da denúncia, é consequência de sua vocação para proteger direitos agravados. Assim, quem transforma a consequência, que é o ato persecutório, na causa — a proteção de direitos — desvirtua a essência de uma conquista democrática.

A Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos emitiu uma nota pública que repõe, nos devidos termos, a função do Ministério Público, recuperando aquela que é a essência do seu trabalho. Num de seus momentos mais contundentes, afirma:
"O enfrentamento à corrupção, como a qualquer outra violação aos direitos humanos, deve respeitar integralmente todos os direitos fundamentais ou humanos fixados na Constituição e no direito internacional. Do contrário, suprimir-se-ia a legitimidade do próprio esforço de combatê-la. É inadmissível que o Estado, para reprimir um crime, por mais grave que seja, se transforme, ele mesmo, em um agente violador de direitos fundamentais."

Não! Nem tudo é permitido sob o pretexto de combater a corrupção. O texto lembra com precisão:
"A investigação, acusação e punição de crimes em situação alguma podem se confundir com uma cruzada moral ou se transformar num instrumento de perseguição de qualquer natureza."

A "cruzada moral", cujo sinônimo é o moralismo, é, costumo dizer, o túmulo da moral.

O PAPEL DO JUIZ
O documento, assinado por Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão, e pelos colegas Domingos Sávio Dresch da Silveira, Marlon Weichert e Eugênia Augusta Gonzaga, lembra em boa hora o papel de um juiz:
"Um dos elementos essenciais do devido processo legal reside no direito a um julgamento perante juízes competentes, independentes e imparciais, no qual o réu e seus advogados são tratados com igualdade de armas em relação ao acusador. Portanto, é vedado ao magistrado participar da definição de estratégias da acusação, aconselhar o acusador ou interferir para dificultar ou criar animosidade com a defesa."

Mais adiante, destaca o texto:
"No caso brasileiro, tomando em consideração que a Constituição de 1988 adotou o sistema acusatório como estrutural do sistema penal, um julgamento justo somente ocorrerá quando estritamente observada a separação do papel do Estado-acusador (Ministério Público) em relação ao Estado-julgador (juiz ou tribunal).  Portanto, o réu tem direito a ser processado e julgado por juízes neutros e equidistantes das partes. O processo no qual juízes, mesmo sem dolo, ajam, direta ou indiretamente, na promoção do interesse de uma das partes em detrimento da outra estará comprometido"

Juiz, portanto, não se confunde com a acusação ou com a defesa. Por essa razão, "não lhe é permitido, porém, emitir juízos prévios sobre a situação concreta e, muito menos, aconselhar as partes, recomendar-lhes iniciativas ou transmitir-lhes informações privilegiadas. Não bastasse a Constituição e os tratados internacionais, o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil definem essas condutas como suspeitas, dando ensejo ao afastamento do juiz do caso e à nulidade dos atos por ele praticados."

OS VAZAMENTOS
A nota pública também faz referência, sem citar, aos vazamentos de informações que uma fonte anônima entregou ao site The Intercept Brasil. Há o repúdio a qualquer forma de censura ou perseguição, lembrando que "a ilegalidade na obtenção das mensagens também não obstrui o direito de publicação. Eventual responsabilidade pela invasão indevida de privacidade deve ser investigada de modo autônomo e, se comprovada, sancionada, sem, contudo, interferir na liberdade de publicação dos conteúdos."

O texto também repudia a intimidação do trabalho da imprensa: "O Estado deve informar se pende alguma investigação em face de jornalistas ou meios de comunicação que estejam envolvidos com a publicação de informações jornalísticas de potencial desagrado de autoridades, para garantia da transparência e da liberdade de imprensa."

A nota não cita nomes ou eventos, mas tudo é de uma clareza solar. A íntegra do texto segue neste blog. Leiam e vejam se Deltan Dallagnol e sua turma se encaixam nos fundamentos que orientam o Ministério Público. Cotejem o papel do juiz, segundo o ordenamento legal lembrado no documento, com a atuação de Sergio Moro e tirem as suas conclusões.

O que a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos está a dizer é que o combate ao crime não comporta a atuação de criminosos que falem em nome da lei.

Por aí, só se chega bem depressa à barbárie.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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