Defesa de hacker: uma vacina contra a farsa e cópias dentro e fora do país
Reinaldo Azevedo
29/07/2019 03h23
CÓPIA NO EXTERIOR
Segundo se depreende da leitura do texto, a disposição de Sergio Moro de destruir o material seria, além de ilegal, inútil. Os defensores informam que o "conjunto das informações está devidamente resguardado por fiéis depositários nacionais e internacionais". Embora o site The Intercept Brasil não seja citado, os advogados afirmam que Delgatti "optou por transferir tal material para profissional(is) de imprensa, de reconhecida competência e seriedade, para investigar e averiguar o conteúdo das mesmas".
Entende-se, assim, que a defesa endossa a versão de que Delgatti pode ser a fonte do TIB. Assim, o furor destrutivo de Moro se mostra uma vez mais irrelevante. A menos que o doutor esteja pensando em liderar um golpe de estado — e na hipótese de este ser bem-sucedido —, nada impedirá o trabalho da imprensa no Brasil. Raciocinando na linha do absurdo, registre-se: ainda que o censura voltasse a vigorar no país, que estafeta de Moro imporia censura ao resto do planeta? O destino das mensagens capturadas é a publicidade.
SEM PAGAMENTO
A nota reitera que Delgatti entregou o material à imprensa "sem fins lucrativos" — vale dizer: não foi remunerado por isso. Trata-se de uma questão crucial porque há um evidente esforço para ligar o TIB — em especial o jornalista Glenn Greenwald — à suposta compra do material hackeado.
Ainda que o site, acertadamente, se negue a ceder a especulações sobre a fonte, é evidente que a situação expunha a publicação ao risco de uma acusação infundada. Afinal, todos sabemos os desastres a que pode conduzir o mau uso da Lei 12.850, a da delação premiada. O texto já é ruim se aplicado segundo os rigores da ética. Dado o conjunto da obra, imagina-se o que a má-fé não poderia oferecer a Delgatti. E, vamos ser claros, pode ainda.
A nota desmoraliza eventuais farsas que ainda venham a ser tentadas.
LINHA DE DEFESA
Os defensores de Delgatti tentam fazer dele uma espécie de mistura de Julian Assange com Edward Snowden dos trópicos. Embora o acusado de hackear autoridades brasileiras tenha uma razoável folha corrida, sempre distante da questão política, a defesa esforça-se para emprestar a seus atos um viés, vamos dizer, entre patriótico e libertador, próprio de alguém preocupado com os direitos individuais e com o desvio de conduta de pessoas públicas que deveriam zelar pela lei.
Lê-se, por exemplo, na linha do patriotismo:
"Recorrentemente, o Sr. Delgatti espanta-se pela fragilidade do sigilo no Brasil e convida à regulamentação e à transparência quando do acesso e uso de ditas redes de informação pelo Poder Público, em plena defesa do melhor interesse público, respeitados os princípios fundamentais da Constituição Federal, incluídos defesas da cidadania, da dignidade da pessoa humana, os valores do trabalho e da livre iniciativa".
Numa alusão aos horrores já revelados sobre a conduta de Moro e Deltan Dallagnol, afirma:
"[Delgatti] Registra reconhecer que todo poder emana do povo e que autoridades públicas estão obrigadas a atuar, desde sempre, em privilégio do melhor interesse público, inclusive em defesa de cláusulas pétreas da Constituição Federal e em proteção de direitos intergeracionais e das gerações por vir".
O texto evidencia ainda que Delgatti não fabricou as condições que tornam o aplicativo vulnerável. Elas estão dadas, e o invasor apenas as teria evidenciado:
"[Delgatti] Registra que falhas do aplicativo Telegram e de outros aplicativos online, a bem de direitos individuais e do interesse público, devem ser recorrentemente testadas por responsáveis pelos serviços online, por agentes da fiscalização pública, bem como por seus usuários."
O trabalho dos defensores é este mesmo: sustentar que as imputações contra o cliente ou são injustas ou são exageradas. Que os advogados façam o seu trabalho. Só nas democracias existem o amplo direito de defesa e a presunção de inocência. O Estado acusador certamente tentará buscar as evidências do contrário.
Uma e outra coisa, defesa e acusação, têm de se dar sob o império da lei. A nota é importante porque cria uma vacina contra os que estão tentados a armar uma farsa política e porque lembra a Sergio Moro, o Luís 14 do Ministério da Justiça, que não será a origem ilícita do material colhido a servir de pretexto para que se eliminem as provas de crimes cometidos por agentes de estado.
Íntegra da nota aqui
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.