Vídeo registra abordagem de PMs a torcedor antibolsonarista e desmente SSP
Reinaldo Azevedo
07/08/2019 07h09
No sábado, policiais militares já haviam abordado militantes do PSOL que se preparavam para uma reunião de mulheres do partido. Obviamente, não dá para tolerar tais comportamentos.
Na terça, "O É da Coisa", na BandNews FM, enviou as seguintes questões à Secretaria de Segurança Pública:
1: Existe alguma orientação para as polícias reprimirem manifestações de indivíduos ou grupos contra o presidente Jair Bolsonaro?
2: A SSP conhece o que dispõe a Súmula Vinculante nº 11, do Supremo, sobre algemar pessoas?;
3: Como se explica a intimidação de militantes do PSOL no sábado?
A secretaria enviou as seguintes respostas:
"A Secretaria de Segurança de São Paulo esclarece que todas as polícias de São Paulo são instrumentos do Estado Democrático de Direito e não pautam suas ações por orientações políticas. Entre as atribuições da Polícia Militar estão: proteger as pessoas, fazer cumprir as leis, combater o crime e preservar a ordem pública."
A pasta esclarece também que, no caso em questão, como cita o texto da Súmula Vinculante nº11, "só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros…". A conduta foi adotada para preservar a integridade física do torcedor, que proferia palavras contra o presidente da República, o que causou animosidade com outros torcedores, com potencial de gerar tumulto e violência generalizada.
Sobre a ocorrência de sábado (3), a SSP informa que não houve invasão ao prédio. Os patrulheiros do 13º BPM faziam o policiamento na região e notaram a concentração de pessoas em frente ao local. Ao verificarem o que ocorria e tomarem ciência de que eram cidadãos ligados a partido político em reunião para realização de plenária, perguntaram, na porta do prédio, se, após as discussões, iriam sair em ato por vias públicas – procedimento comum da PM, sobre possíveis manifestações, de buscar informações sobre reuniões e trajetos em áreas públicas para garantir a segurança dos populares e manifestantes. Como os presentes informaram que a reunião seria interna, os patrulheiros deixaram o local."
RETOMO
Como o vídeo deixa escandalosamente claro, não havia risco de tumulto. Há nada menos de seis policiais no local, cinco deles muito próximos de Rogério Lemes. É falaciosa a afirmação de que foi preciso algemá-lo para garantir a sua própria segurança. Tratou-se um abuso evidente.
Se a Secretaria e a Polícia Militar conhecem a Súmula Vinculante nº 11, é preciso constatar: então não sabem aplicá-la.
Quanto à abordagem feita a militantes do PSOL, dizer o quê? A resposta chega a ser risível. As pessoas se preparavam para um encontro em local fechado. Nada fazia supor passeata, manifestação de protesto ou intervenção em espaço público que requeresse a intervenção de força policial.
A PM, então, dispõe de quadros para enviar às reuniões de todos os partidos políticos, ONGs, sindicatos e agremiações para saber se, "depois da plenária", pretendem "sair em atos pelas vias públicas"? Onde está esse protocolo de atuação? Que se saiba, atos dessa natureza requerem comunicação prévia a vários órgãos públicos. O PSOL, por óbvio, não havia feito nada parecido porque não havia programado passeata nenhuma.
São atos óbvios de intimidação, que agridem o Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea.
No caso do torcedor, o vídeo desmente a secretaria de maneira irrespondível.
À página "Meu Timão", Rogério Lemes relator:
"Eles me fecharam na salinha e começaram a me humilhar. Cada hora, ia um lá, falando 'você não é valentão?'. Eles me deixaram no chão em uma posição que a minha perna ficou virada, por causa da prótese. Eu pedia ajuda para sair da posição, e eles só ficavam lá me olhando, me humilhando. Eu fiquei uns 40 minutos nessa salinha".
E mais:
"Na delegacia, a mulher pediu para contar o que tinha acontecido. Antes de contar, eu perguntei para ela: 'Eu quero saber por que eu estou aqui, por que eu estou algemado. Qual o crime que cometi? Ela disse para mim: 'Você não cometeu crime nenhum'. Ela disse que não era o lugar certo para manifestações, e eu aleguei que a Constituição me dá esse direito, que eles não podiam fazer isso comigo. Ela meio que tentou apaziguar a situação. Eu falei que fui agredido, que fui humilhado, e ela não colocou nada disso no B.O. Mas, naquele momento, eu estava com medo. Os caras chegam a te agredir, a te humilhar, então, para fazer coisas não precisa de muito".
É uma vergonha o que aconteceu. E igualmente vergonhoso é o comportamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, que se nega a reconhecer o abuso e endossa uma versão que, mesmo antes do vídeo, já era frágil. Agora, é insustentável.
Cumpre ficar de olho na Polícia Militar de São Paulo para saber se ela foi contaminada pelo vírus da repressão de caráter político.
A PM tem um comandante-geral. É o coronel Marcelo Vieira Salles. São Paulo tem um secretário de segurança. Trata-se do general da reserva João Camilo Pires de Campos. Mas todos eles têm um chefe: o governador João Doria (PSDB).
É preciso que a gente indague se as garantias fundamentais que estão na Constituição continuam a ter validade em São Paulo ou se há a disposição de, na prática, revogá-las.
Episódio como o havido no sábado, com militantes do PSOL, não pode se repetir. E o caso de domingo tem de ser investigado. É preciso que se sabia quem vai responder pelo constrangimento ilegal e pelo abuso de autoridade.
O Corinthians emitiu uma nota digna de aplausos:
"A Arena e o Sport Club Corinthians Paulista vêm a público repudiar o episódio que resultou na detenção do torcedor Rogério Lemes Coelho […]. O clube historicamente reitera seu compromisso com a democracia e a defesa do direito constitucional de livre manifestação, desde que observados os princípios da civilidade e da não-violência. A agremiação lembra que diferentes autoridades, entre elas o presidente do clube, já foram alvos de manifestações da torcida durante os mais variados eventos esportivos realizados no local. O episódio caracteriza-se como um grave atentado às liberdades individuais no Estado Democrático de Direito."
Na mosca!
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.