Ao tentar matar juíza, procurador prova que Moraes está certo no caso Janot
Reinaldo Azevedo
04/10/2019 07h52
Li com certa estupefação as críticas à decisão do ministro Alexandre de Moraes, que determinou mandado de busca e apreensão em endereços de Janot. Seu porte de arma foi suspenso. Em livro e entrevistas, ele afirma ter entrado armado no Supremo, em maio de 2017, para matar o ministro Gilmar Mendes. Segundo as suas palavras, não sabe por que não o fez.
Moraes abriu a investigação, entre outros dispositivos legais, com base no Artigo 286 do Código Penal: incitamento ao crime. E aí começou a gritaria: "Oh, fantasiar com um crime não é crime". Bem, segundo as palavras do próprio ex-procurador-geral, ele não fantasiou apenas. Efetivamente tentou. Não obteve êxito por razões alheias à sua vontade. Também é um tipo penal. Trata-se do Inciso II do Artigo 14, a saber: "Crime tentado [ocorre] quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente".
No seu despacho, Moraes destacou:
"O quadro revelado é gravíssimo, pois as entrevistas concedidas sugerem que aqueles que não concordem com decisões proferidas pelos Ministros desta CORTE devem resolver essas pendências usando de violência, armas de fogo e, até, com a prática de delitos contra a vida".
Bingo! Nesta quinta, por pouco não corre sangue no TRF da 3ª Região. Leiam o que informou o site Consultor Jurídico. Volto depois.
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O procurador da Fazenda Nacional Matheus Carneiro Assunção foi preso nesta quinta-feira (3/10) depois de tentar matar uma juíza na sede do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na avenida Paulista. Ele invadiu o gabinete da juíza Louise Filgueiras, convocada para substituir o desembargador Paulo Fontes, em férias, e chegou a acertar uma facada no pescoço dela, mas o ferimento foi leve.
Antes de se descontrolar totalmente, o procurador despachara com a desembargadora Cecilia Marcondes, quando já se mostrou alterado. Assunção então foi ao gabinete do desembargador Fábio Prieto, no 22º andar. Ele presidia uma sessão de julgamento e não estava no gabinete no momento.
O procurador, então, desceu as escadas e invadiu a sala que fica imediatamente abaixo, de Paulo Fontes, mas ocupado por Filgueiras durante suas férias.
A juíza trabalhava em sua mesa e foi surpreendida pela invasão do procurador, mas conseguiu se afastar dele —as mesas dos desembargadores são bastante amplas, o que dificultou o acesso de Assunção à vítima.
Diante do insucesso, ele ainda tentou jogar uma jarra de vidro na direção da magistrada, mas errou. O barulho da jarra quebrando foi o que chamou a atenção dos assessores. E o procurador foi imobilizado pelas pessoas que estavam dentro do gabinete durante a ação.
Assunção foi preso em flagrante e no momento aguarda a chegada da Polícia Federal para ser levado da sede do tribunal, na região central de São Paulo. Ele ainda não tem advogado constituído.
Quem viu o procurador se movimentar pelo tribunal comentou que ele parecia em estado de surto e intercalava frases sem sentido com de efeito sobre "acabar com a corrupção no Brasil". Ao ser imobilizado, o procurador se mostrou confuso. Segundo os seguranças que o detiveram, Assunção afirmou que deveria ter entrado armado no tribunal, "para fazer o que Janot deixou de fazer".
Neste momento, enquanto a Polícia Federal chega no prédio do tribunal para dar voz de prisão ao agressor, a segurança do TRF está mapeando a sua andança pelo prédio.
REPERCUSSÃO
"Não bastasse a notícia recentemente divulgada de que um Procurador da República pensou em atentar contra a vida de um ministro do STF, agora temos uma infeliz ocorrência no TRF de São Paulo. Para além de lamentar o ocorrido e se solidarizar com a vítima e todos os colegas do tribunal, urge mais uma vez repensar os níveis de segurança das cortes e dos fóruns, em todo o país", lamentou Jayme de Oliveira, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB).
Para Fernando Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), não pode se admitir qualquer ataque à magistratura. "A magistratura vem sendo atacada simbolicamente nos últimos tempos, e essa campanha nefasta na tentativa de desacreditar a instituição acaba estimulando o comportamento criminoso de indivíduos. Temos de dar um basta a isso."
Segundo Marcos da Costa, ex-presidente da OAB-SP, "não podemos admitir que se estabeleça um clima de ódio dentro do ambiente que deveria ser marcado pelo respeito entre aqueles que estão a dedicar suas vidas em prol da justiça".
RETOMO
Eis aí.
O site "Jota" informa que, no dia em que afirmou ter tentado matar Gilmar Mendes, o então procurador-geral nem estava em Brasília…
Pois é… Ainda que Janot tivesse fantasiado sobre o assassinato, essas coisas podem ter consequências quando se publica um livro com o relato, concedem-se várias entrevistas e se secreta, ainda agora, ódio visceral pelo mesmo alvo.
Notem que Matheus Carneiro Assunção evocou o herói Janot ao praticar seu ato tresloucado.
E aí? Alguém mais vai sair por aí a defender que um ex-procurador-geral pode dizer impunemente que entrou armado no Supremo para matar um ministro?
Artigo 286 do Código Penal: incitamento ao crime.
Ainda que Janot tenha fantasiado a tentativa de assassinato, as palavras que disse são reais e se propagam no mundo igualmente real. E, nesse mundo, as pessoas seguem tanto os bons como os maus exemplos.
Ao provocar quase uma tragédia, Matheus Carneiro Assunção evidenciou o erro dos nefelibatas do vale-tudo.
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.