Lewandowski lembra: Artigo 5º da Carta é cláusula pétrea. Nem PEC o altera
Reinaldo Azevedo
25/10/2019 08h27
Ricardo Lewandowski: ele foi ao "é da coisa". Artigo 5º da Constituição é cláusula pétrea (Foto: Alan Marques)
O ministro Ricardo Lewandowski deu um voto curto, mas muito incisivo: o Artigo 283 do Código de Processo Penal é, por óbvio, compatível com o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição. Afinal, os dois praticamente asseguram a mesma coisa. Lewandowski lembrou ainda uma outra questão fundamental: o dispositivo constitucional, como já observei aqui tantas vezes, é cláusula pétrea da Constituição, segundo dispõe o Artigo 60 da Carta. E não pode ser mudado nem por emenda.
Afirmou:
"A Constituição Federal de 1988 definiu tais barreiras, em seu art. 60, § 4°, denominadas pela doutrina de "cláusulas pétreas", justamente para evocar o seu caráter de alicerce de todo o ordenamento legal, a saber: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. A presunção de inocência, com toda a certeza, integra a última dessas cláusulas, representando talvez a mais importante das salvaguardas do cidadão, considerado o congestionadíssimo e disfuncional sistema judiciário brasileiro, no bojo do qual tramitam atualmente perto de 100 milhões de processos a cargo de pouco mais de 17 mil juízes, obrigados, inclusive, a cumprir metas de produtividade, fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça, em uma emulação daquela disciplina industrial stakanovista, taylorista ou fordista de há muito superada."
O ministro também fez questão de relevar uma iniquidade no país, solenemente ignorada por punitivistas ensandecidos:
"Salta aos olhos que em tal sistema, o qual, de resto, convive com a intolerável existência de aproximadamente 800 mil presos, encarcerados em condições sub-humanas, dos quais mais 40% são provisórios, situação que caracteriza, segundo esta Suprema Corte, um "estado de coisas inconstitucional", multiplica-se exponencialmente a possibilidade do cometimento de erros judiciais por parte de magistrados de primeira e segunda instâncias."
Está em curso uma patuscada na CCJ, tentando extinguir a presunção de inocência, conforme a estabelece o Inciso LVII do Artigo 5º. Observou o ministro com acerto:
"Mesmo aos deputados e senadores é vedado, ainda que no exercício do poder constituinte derivado do qual são investidos, extinguir ou minimizar a presunção de inocência, plasmada na Constituição de 1988, porquanto foi concebida como um antídoto contra a volta de regimes ditatoriais, como aquele instalado no Brasil depois de 1964, em que sequestros, torturas, desaparecimentos e o encarceramento sistemático de dissidentes políticos eram praticados sob as vistas de um Judiciário emasculado pelos atos de exceção, quando não complacente com os desmandos.
Com maior razão não é dado aos juízes fazê-lo por meio da estreita via da interpretação, eis que esbarrariam nos intransponíveis obstáculos das cláusulas pétreas, verdadeiros pilares de nossas instituições democráticas."
Vale dizer: não pode ser mudado nem por Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Na mosca!
A íntegra do voto do ministro está aqui.
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.