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Bolsonaro não resiste: fala tolice sobre a Argentina ¿Por qué no te callas?

Reinaldo Azevedo

28/10/2019 07h36

Ah, meus queridos… Essa vida não é fácil, especialmente quando se pretende alimentar alguma crença, ainda que remota, de que Jair Bolsonaro vá fazer a coisa certa.

Escrevi um texto, que vocês encontram abaixo, elogiando observações prudentes que o presidente Jair Bolsonaro, que estava em Abu Dhabi, havia feito sobre as eleições na Bolívia e na Argentina ao falar rapidamente com jornalistas.

Sobre a Bolívia, disse apoiar decisão da OEA, cujos observadores pediram a realização de um segundo turno, destacando que o Brasil pretende continuar a ter relações amigáveis com o país, muito especialmente por causa dos negócios, uma vez que compramos dos bolivianos boa parte do gás que aqui se consome.

Sobre a Argentina, limitou-se a afirmar que o Brasil espera aumentar o comércio com o país. E pronto! Estaria de bom tamanho. Há muito tempo o presidente brasileiro sabia que Maurício Macri seria derrotado e que Alberto Fernández se sagraria vitorioso.

Como Bolsonaro andou vituperando contra Fernández e Cristina Kirchner, eleita-vice-presidente, ameaçando, o que é impossível, expulsar a Argentina do Mercosul — ou mesmo sair do bloco econômico —, achei que se poderia estar, quem sabe?, diante de uma mudança de postura. O título daquele é "Bolsonaro faz declarações prudentes sobre Bolívia e Argentina. Vão durar?"

Pois é. Não duraram nem o tempo necessário para a publicação. Quando o presidente falou em Abu Dhabi, as eleições na Argentina ainda estavam em curso. Depois de consolidado o resultado, eis que surge o Bolsonaro de sempre. E agora Deus sabe o que pode acontecer.

Ele lamentou a eleição de Fernández, segundo informa Folha. Mas não só isso. Ouçam o que disse:
"Não pretendo parabenizá-lo. Agora não vamos nos indispor. Vamos esperar o tempo para ver qual a posição real dele na política. Porque ele vai assumir, vai tomar pé do que está acontecendo, e vamos ver qual linha que ele vai adotar."

Já está se indispondo.

É um despropósito. O presidente eleito da Argentina já recebeu os cumprimentos de Macri, seu adversário local, que o convidou para um café da manhã nesta segunda na Casa Rosada, sede do governo. Bolsonaro não é bedel de governos estrangeiros, dando-lhes tempo para saber se vão se comportar assim ou assado.

O Brasil é a maior democracia da América do Sul e da América Latina. Também é a maior economia. Há outros elementos que fazem do país um líder natural — desde, claro!, que exista a liderança política. O cumprimento é um dos deveres de ofício. Até porque foi Bolsonaro quem se dedicou a uma escalada de agressões aos então candidatos Fernández e Cristina Kirschner, sua vice, afirmando que eles representavam a volta do Foro de São Paulo ao comando do país.

Como lembro no post anterior, o Mercosul é o principal destino das exportações da indústria brasileira — e, claro!, dentro do bloco, o principal importador de nossas manufaturas é a Argentina. Portanto, a hostilidade gratuita é uma estupidez.

O presidente brasileiro disse ainda lamentar o resultado:
"Lamento. Não tenho bola de cristal, mas acho que a Argentina escolheu mal. O primeiro ato do Fernández foi já Lula livre, dizendo que ele está preso injustamente. Já disse a que veio."

Bolsonaro se referia a uma foto em que Fernández e correligionários fazem o "L" com a mão, símbolo no petismo de "Lula Livre", cumprimento-o por seu aniversário, neste domingo.

Sim, claro!, tratava-se de uma provocação a Bolsonaro, mas do gênero leve. Afinal, na semana passada, o presidente brasileiro havia ameaçado nada menos do que suspender a Argentina do Mercosul, como se isso fosse possível. Não é. Afinal, há o Tratado de Ushuaia, que define as regras para a existência do bloco. Especulou a possibilidade de se unir aos paraguaios e uruguaios contra os argentinos, sem saber, claro!, se aqueles topariam a maluquice.

E voltou a tocar no assunto depois que ficou sabendo do resultado, falando novas barbaridades:
"Não digo que sairemos do Mercosul, mas podemos juntar ali com o Paraguai, não sei o que vai acontecer nas eleições do Uruguai, e decidirmos se a Argentina fere alguma cláusula do acordo ou não. Se ferir, podemos afastar a Argentina. Mas a gente espera que nada disso seja necessário. Que a Argentina não queira, na questão comercial, mudar seu rumo."

O Tratado de Ushuaia não é uma obra aberta. Não é a maioria que decide se o tratado é ferido ou não a depender da conveniência. A fala é só mais um despropósito a se juntar a outros tantos. A indústria brasileira pode ir se preparando. Como se já não estivesse mal das pernas o bastante. Vêm sortilégios por aí.

TEC E MERCOSUL
E ainda: o Brasil está determinado a reduzir em mais de 50%, na média, a TEC, a Tarifa Externa Comum, o imposto de importação que os países do Mercosul cobram sobre produtos oriundos de nações fora do bloco.

A taxa cairia de 13,6%, na média, para 6,4%. A Argentina de Macri já deu sinais de que não concorda com a proposta — a exemplo, aliás, da indústria brasileira, que acredita que será massacrada pelas importações chinesas. A CNI prevê que podem desaparecer 2,4 milhões de empregos.

Com um setor industrial minúsculo, Uruguai e Paraguai não se oporiam à proposta brasileira. Mas certamente a Argentina de Fernández e Cristina Kirchner tenderá a recusar a mudança com mais determinação do que a de Macri. E alterações dessa natureza têm de contar com a concordância de todos os membros do bloco, como prevê o Tratado de Ushuaia.

MANUAL DE CONVIVÊNCIA
A Argentina é um dos maiores parceiros comerciais do Brasil. Em momentos assim, com o resultado das eleições definidas, resta ao Ministério das Relações Exteriores seguir o manual, parabenizar o vencedor e desejar que os laços entre os países se estreitem. Não é preciso inventar nada.

Não desta vez. Informa a Folha:
Também não há, no momento, expectativa de manifestação do Itamaraty, segundo Bolsonaro.

Ele disse que vai esperar os resultados finais das eleições e conversar com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para decidir o que fazer.

Seria melancólico se não fosse patético.

A propósito: o que o GSI tem a ver com isso? Por acaso, a eleição argentina ameaça, de algum modo, a segurança interna do país ou põe em risco a sua institucionalidade? Vamos despachar um grupo de arapongas da Abin para o país vizinho?

E, por certo, já dá para antever: se Bolsonaro não vai nem cumprimentar Fernández, é certo que não comparecerá à sua posse.

Pergunto: é esse o papel de alguém que deveria exercer a liderança da região?

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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