Bolsonaro, como Rei Leão, luta contra tudo e todos, incluindo instituições!
Reinaldo Azevedo
29/10/2019 07h19
Pelo visto, Carlos Bolsonaro tem a sua própria versão de "O Rei Leão". Se o filme, a seu modo, serve para todas as idades porque evidencia a importância de ser bom e ético, a releitura de Carlucho se destina apenas àqueles que padecem de óbvio retardamento democrático. Na melhor das hipóteses, foi o rapaz a postar na conta do presidente, no Twitter, um vídeo tosco em que este, representado por um leão, é assediado e molestado por um bando de hienas, todas elas nominadas. Entre os bandidos a perturbar a grandeza do líder, está nada menos do que o STF. Celso de Mello, decano do tribunal, reagiu com dureza rara. A publicação foi apagada depois que o presidente, lá do outro lado do mundo, recebeu vários alertas, enviados por alguns prudentes que ficaram em terras nativas. É um assombro. Vamos entender o contexto.
No dia 17, vocês devem se lembrar, Carlos publicou na conta do pai uma mensagem em que defendia a prisão depois da condenação em segunda instância. O tribunal começava a votar então as Ações Declaratórias de Constitucionalidade que tratam do assunto. O Zero Dois não se fez de rogado. Escreveu:
"Aos que questionam, sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância. Proposta de Emenda à Constituição que encontra-se sob a relatoria da deputada federal @caroldetoni".
O texto foi apagado em seguida, com um, que eu me lembre, inédito pedido de desculpas do rapaz. Anunciou:
"Eu escrevi o tweet sobre segunda instância sem autorização do presidente. Me desculpem a todos! A intenção jamais foi atacar ninguém! Apenas expor o que acontece na Casa Legislativa!".
Três dias depois, a conta do presidente no Facebook, de modo até surpreendente — e destaque-se que nunca é ele próprio a cuidar das redes sociais —, dizia o certo sobre a Constituição. Lá estava escrito:
"- Da série João 8:32 (5)
– Uma PEC pode mudar qualquer artigo da Constituição?
– Não! Os dispositivos da CF que estão em capítulos das "cláusulas pétreas", somente poderão ser alterados numa nova Assembleia Nacional Constituinte.
– Inciso IV, § 4°, art. 60 da CF."
Na mosca! A presunção de inocência — "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" — está no Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição. E todo ele, segundo define o Artigo 60, é cláusula pétrea. Não pode ser mudado nem por emenda.
Assim, não só o ataque ao Supremo foi retirado como alguém — sabe-se lá quem — publicou uma coisa certa nas redes sociais do presidente.
Mas sabe como é… A convivência, nas redes sociais, entre a ala bolsonarista dita "pragmática" e a outra, a "principista", virou uma briga de foice no escuro. A primeira acusa a segunda de trair o "Mito" ao ignorar razões de estado; a segunda diz que a primeira, incluindo o próprio presidente, traiu compromissos de campanha e aquilo que essa turma entedia ser uma verdadeira revolução…
Os "principistas", que hoje se deixam guiar muito mais pela cartilha de Sergio Moro do que pela de Jair Bolsonaro, defendem, por exemplo, a CPI da Lava Toga; veem o Supremo como inimigo; opõem ao cumprimento do mandamento constitucional da execução da pena depois da condenação em segunda instância; enxergam em Augusto Aras, procurador-geral da República, um quinta-coluna do petismo; sustentam que Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, tornaram-se os mandatários de fato; vislumbram na lei que pune abuso de autoridade um libelo em favor da corrupção.
Esses grupos, antes bolsonaristas fanáticos, passaram a expressar a sua decepção com o presidente. Acusam-no de ter cedido à velha política para livrar a cara do senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um. Os ditos pragmáticos afirmam que o presidente está fazendo escolhas táticas para garantir a governabilidade. Além desse confronto de fundo, vá lá, ideológico, há o outro: a disputa pelo controle do milionário PSL, que está rachado. Resumo da opereta de boteco: Bolsonaro passou a ser atacado em seu próprio quintal.
Aí, então, Carlucho, ou alguém com o seu endosso — já que, confessadamente, ele mantém o controle das redes sociais do pai —, decidiu ter uma ideia: pregar a união de todos os que verdadeiramente seguem Bolsonaro. O bicho aparece cercado por hienas, apontadas como os verdadeiros inimigos.
Muito bem! Entre elas, estão Folha, Veja, Estadão, CUT, Força Sindical, MST, ONU, CNBB, PT, PSB, PCdoB, PSOL, PSDB (um tucano foi relator da reforma da Previdência na Câmara), PSL, Lei Rouanet, feministas, OAB e… STF!
Como se vê, o mundo está contra o Rei Leão. Só faltou o Golden Shower. Carlucho resolveu celebrar a pax entre as várias correntes do bolsonarismo nas redes sociais chamando um dos Poderes da República de hiena. Alertado lá do outro lado do mundo do que estava em seu perfil no Twitter, Bolsonaro mandou apagar a postagem. Mas o barulho já estava feito.
A estupidez chegou ao limite.
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.